Twitter / X: ODEIO mas NÃO CONSIGO LARGAR! - Mecanismos do Vício
- Antologia Crítica
- 1 de set. de 2024
- 9 min de leitura
Estamos num dia qualquer, à tarde ou à noite, você tá trabalhando ou estudando e bate aquela procrastinação. Aí, você checa a rede social. Presidente falando merda, não sei quem é exposto de mais um ministro te deixando louco.
Tudo tá explodindo. Aí você decide discordar de alguém e dar sua opinião. Pronto.
Daqui a pouco subir a discussão, pega fogo, o assunto já mudou, as brigas já são outras, passaram algumas horas, você procrastinou a tarefa enquanto discutia com uma conta que provavelmente nunca vai te ouvir.
São horas perdidas e amanhã, esse ciclo se repetirá, como o roteiro de uma novela, sem fim. Já viveu algo parecido na rede social? Toda vez que descobrimos uma fofoca ou uma notícia nova, recebemos uma injeção de dopamina.
Somos malucos por dopamina. Tem tecnologias calculadas pra te estressar, fazer você agir por impulso pra gerar mais e mais chorume de compartilhamento. É o tempo que vivemos. Vamos falar de extremização nas redes sociais?
O Twitter e o capitalismo de emoções
E aí? Você tá pistola? Tá de cara com alguma coisa? Hoje eu tenho um assunto muito sério pra tratar, o Twitter. Quem acompanha todas as redes do canal, sabe que essa é a minha rede social favorita e que eu vivo por lá. Mas você também deve ter notado que eu diminui muito a interação nessa rede nos últimos tempos.
Não é à toa, demorou um bom tempo pra eu assumir pra mim. O Twitter me viciou, tipo, a sério, vício real, e eu não tô sozinho. Os estudos que recorri pra esse vídeo são chocantes.
Será que se você entende os truques que prendem a sua atenção, você pode conseguir ter uma relação saudável com as redes? Ou não? Ou tem algo mais forte aí?
Essas e outras coisas são o tema do vídeo de hoje, e se achar justo, assina o Catarse ou faz um pix. E se não puder, deixe seu like, seu sininho e sua inscrição, que já vale um montão. Bom vídeo e boa viagem!
Se você viveu em Marte ou dormiu nos últimos 13 anos, talvez você não conheça o Twitter.
Voltemos a 2007, um dos primeiros anos da era imperial das redes sociais. Era o lançamento do Twitter, a rede das ideias ultra rápida. 140 caracteres era o tamanho máximo de uma mensagem, equivalente ao tamanho de uma SMS.
Não havia WhatsApp, Telegram, Messenger, nada disso. E por mais que o Twitter tenha patinado nos dois primeiros anos, apenas com 200 mil usuários, a rede foi ganhando espaço na vida das pessoas por um motivo muito particular. Sua personalização.
No Twitter é possível escolher a dedo quais notícias quer ler, quais informações quer trocar, divulgar produtos, conhecer pessoas, brigar, debater, ver memes, fazer protesto, tudo dentro de um mesmo lugar. Um verdadeiro mercado de peixe, onde todo mundo grita e ninguém se escuta. E assim, o Twitter começou a moldar a forma como nos comunicamos, pro bem e pro mal também.
Se por um lado, teoricamente, o público tem acesso à pluralidade de ideias, jornalistas, mídias e influenciadores de todas as ideologias, do outro lado, a rede nunca esteve tão violenta, petulante e produzindo debates em níveis tão baixos de argumentação. E isso acontece pelo formato que a rede é desenhada. Como assim? Bem, o Twitter é uma rede muito rápida que exige ser breve e eficiente.
Assim os usuários acabam criando uma linguagem única. Um código de comportamento não escrito, onde só quem pertence à rede compreende. O meio é a mensagem, já ouviu essa passagem?
Então agora, precisamos falar sobre esses códigos não escritos, certo? Mas antes, é preciso dar um passo atrás.
Eu sei que é tentador ignorar o poder de modulação dessa rede e olhar só pros seus usos positivos, tratando-o apenas como um espaço de entretenimento, desabafo. Mas esse tempo inocente já era. O Twitter importa pra política e pra sociedade, porque mudou a forma que consumimos o mundo.
Foi isso o tempo da pura zoeira. Hoje a rede alcança 35 idiomas e conta com 1,5 bilhões de contas, sendo 400 milhões de usuários todo mês. No Brasil somos 42 milhões de twitteiros e um presidente que hora ou outra decide causar e governar via Twitter.
Segundo o pesquisador Brian Ott, em seu artigo A Era do Twitter, Donald Trump e as Políticas de Degradação, somos geridos por 3 bases de afeto dentro do Twitter. A simplicidade, a impulsividade e aquilo que chamei de pistolagem não civilizada.
A primeira é óbvia. O limite dos 280 caracteres permite com que qualquer um fale o que vem à cabeça. E muitas vezes, isso deixa a reflexão de lado. Mais ou menos a ideia de quando a câmera fotográfica tinha filme contado, que era preciso pensar em cada foto, twittar ou compartilhar, requer pouco esforço ou consideração das consequências que virão dali em diante.
Soma isso ao fato do nosso cérebro ser condicionado a reduzir a forma da mensagem original. Tendemos a colocar o mundo em preto e branco, em caixinhas simplificadoras que criam a ilusão de que a gente sabe do que está falando, só lendo tweets e manchetes sensacionalistas.
Essa força de reação leva à segunda base da rede, a impulsividade. Essa é fácil de entender também. A rede muito rápida acaba mexendo com o nosso reflexo, nos colocando em posição de reação. No Twitter tudo é muito extremo, é amor e ódio, 8 ou 80, dedo no cu, gritaria, explosão.
Basta um tweet para viralizar, está certo e ganhar glória e fama, e um tweet errado para a vida ser transformada num inferno. Todos em posição de tensão, com as armas engatilhadas para patrulhar o erro alheio e atirar a qualquer momento.
O que nos leva à terceira base de afetos, que é a pistolagem não civilizada. Como a rede mistura sentimentos e o desabafo pessoal, o depósito de frustrações, as amizades, os relacionamentos com famosos ou políticos, tudo no mesmo espaço. Isso gera um esfumaçamento da linha entre ser informal e faltar com respeito, entre proximidade e escrotagem. A linha entre debate, discordância e desrespeito desaparece completamente.
Segundo o professor Breyer, como um texto não tem voz e não sabemos sua exata intenção, mensagens tendem a ser desumanizadas. Esquecemos que do outro lado alguém com sentimentos vai ler nossa mensagem. E pronto, o estrago está feito.
A formula do Twitter
E agora que entendemos essas bases de afeto, vamos entrar na fórmula do Twitter. O primeiro grau dessa equação é a formação de grupos de pertencimento e a competição de verificados. Ou seja, dentro de uma rede, cada usuário tem uma conta, como no banco.
E assim como na economia da grana, há um capital social dentro da rede social. E assim como na economia da grana, há um capital dentro da rede social. É o capital humano, onde quem tem mais, ganha mais privilégio, pois trocamos no Twitter interesses e necessidades de um ecossistema em comum.
Ou em outras palavras, a repetição das nossas próprias ideias. Essa parada potencializa um fenômeno chamado confabulação coletiva. Pra ciência, confabulação é um erro de memória, que distorce os fatos produzindo conspirações ou histórias distorcidas.
O Twitter lucra muito em cima desse fenômeno. Quantas vezes um fato é altamente repercutido que a maioria não viu, não leu, não sabe do que está falando, mas está apenas repercutindo a onda e o sentimento do momento. Esse telefone sem fio gera uma espécie de competição invisível, onde a busca pelo tweet perfeito, modula o comportamento de geral.
O verificado, uma ferramenta de segurança, vira uma ferramenta de status. Não, não é só uma bolinha azul. Ele é um validador de verdades, mas perceba que toda a credibilidade na rede é sustentada por um laço muito frágil.
Assim como seguir alguém acontece por impulso, o unfollow vem da mesma maneira. Pra ser excluído, basta estar vivo e twittar. Consequência disso, ficamos cada vez mais sensíveis com opiniões que não concordam conosco.
Assim, podemos dizer que o Twitter, mais do que um ponto de troca de informações, é um ponto de encontro de sentimentos, moldando nosso comportamento. Já os trending topics e hashtags são o resumo do que está bombando. Eles são o sentimento geral da rede em determinado momento.
Porém, a maioria desses trends não conseguem durar mais do que 10 minutos no topo, e por isso, tendem a ser extremamente impulsivos. Pra conseguir pautar um assunto, ele não pode ser frio, e aí qualquer coisinha é transformada em, nossa, gatilhos de expectativa. Vem aí, tweets bombásticos que vão derrubar a república.
Esses sentimentos engajam muito mais do que sentimentos comuns, o que aumenta a chance de confabulação coletiva. Porém, os estudos que eu consultei pra fazer esse vídeo, você pode conferir na descrição, mostram que o sentimento do Twitter quase nunca está conectado com o sentimento do mundo entre aspas, real. Então se o Twitter lhe parece mais raivoso, depressivo, que o senso comum, é porque ele é mesmo.
E podemos apontar motivos objetivos pra isso. Primeiro é o recorte social e etário de quem usa o Twitter. Além de 40% da rede ter entre 18 e 29 anos, e 20% ser adolescente, a presença online das classes mais baixas é menor.
O próprio Twitter define o seu público-alvo massivo como milênios e geração Z privilegiados. E isso por si só diz muito, não? Depois é preciso considerar que sim, esses tweets de raiva até geram mais números, mas não saem de suas bolhas, amostras de mercado ou câmaras de eco. E esse loop de resposta positiva vai nos encaminhando pra um só tipo de discurso, é questão de recompensa.
Se a pessoa compartilha algo extremista, negativo e é recompensada por isso, inconscientemente ela compreende que isso é o que as pessoas gostam e passa a produzir conteúdos cada vez mais extremos e violentos.
Pouco a pouco vamos nos tornando personagens de nós mesmos, buscando aquele momento de exposição positiva do seu pensamento, o que não é muito bom pra vida em sociedade, mas é ótimo pra o crescimento e engajamento de uma conta. As plataformas de rede social ganham dinheiro com uma coisa, o nosso tempo de permanência e o gasto de vida o máximo de tempo possível nesses sites.
Portanto, tudo aqui dentro é projetado pra isso. Quanto mais tempo no site, mais anúncios, mais propaganda promovida, mais dinheiro. E o objetivo todo aqui é manter as pessoas presas, porém, a isca do vício ainda não mora aí.
A isca do vício chama-se autopropaganda, falar de si própria é uma necessidade humana básica e as redes utilizam disso pra te convencer da sua identidade. Se no Instagram apresentamos a vida perfeita com fotos exuberantes, o Twitter é a mesma vitrine, só que do intelecto, de parecer o mais correto e ter a melhor opinião da vizinhança. E agora vem a cereja do bolo do vício das redes sociais, o design e as notificações.
Se no início a notificação servia pra te avisar de uma mensagem ou ligação, com o tempo o push passou a ser usado de outra maneira pelas empresas, propaganda, te puxar de volta pra dentro da rede. Empresas de tecnologia gastam toneladas de dinheiro em user experience, por isso não à toa os ícones tendem a ser vermelhos ou brilhantes. É poderoso? Não é feito pra nos ajudar, é feito pra nos manter ligados.
E se você tá pensando nessa descrição como um cassino, é porque é por aí mesmo, eu já falei isso aqui no canal, ou você acha que é à toa que todos os lugares que tem compra mantém ambientes fechados e de luzes piscando. E agora pensa no cassino, a aposta é toda baseada na expectativa do ganho. Quando giramos a alavanca do caça-níquel ou a bola na roleta, ficamos ansiosos pelo resultado.
E a recompensa vem não necessariamente quando você vence, se o cérebro gosta mesmo, é da emoção do jogo. Toda vez que uma notificação apita ou você tuita, você se joga numa infinidade de emoções. Pode ser felicidade, riso, raiva, tristeza, medo, e é durante o período de incerteza e checagem das notificações é que você já ganha a recompensa.
Nós somos levados a usar a rede de maneira compulsiva, é pra isso que servem as notificações forçadas. Você não consegue resistir, porque mexe com o mecanismo essencial de sobrevivência, que é a curiosidade e o medo. E depois de 2018, esse vídeo, como todos aqueles que eu falo de rede social, são só um alerta.
Essas vulnerabilidades da plataforma deixam um oceano azul pra vigaristas explorarem as suas emoções. São minas de ouro pra teóricos da conspiração, charlatões, e qualquer um pode escrever coisas sem fontes, porque quanto mais incendiário, mais compartilhamento. Então calma, eu não vou dizer pra você sair das redes ou cair fora, isso é senso comum demais e não é por aí a minha crença.
Deixar de ocupar é abrir um vácuo de espaço que será preenchido com lixo. Então é preciso ocupar e produzir contágios positivos, plantar semente nas redes e fugir de amostras de mercado. É claro que o Twitter tem a sua positividade e continua tendo excelentes tipos de uso pra informação ou comunidade.
Por isso vale disputá-lo, produzir contágios reversos, utilizar a rede pra subvertê-la. Bem, precisamos espalhar esse tipo de debate e disseminá-lo em todos os espaços. Assim, já existem designs mais funcionais e menos violentos, já existem manuais de como desligar as notificações e fazer um uso mais seguro delas.
E de fato, saber desse fator pode nos colocar pra pensar um pouco mais no nosso uso individual. Mas essas são respostas ainda pequenas, não suficientes. Você já deve ter entendido, por causa de vários vídeos dessa série, que o problema não é a tecnologia, mas o modelo de negócio e a estrutura econômica que potencializa a pior versão de cada um de nós.
E eu repito o que eu já disse em alguns vídeos pra trás, quanto tempo de vida vale sua atenção? Quanto tempo você gasta aqui dentro? Você acha que você tá viciado nisso? Essas são perguntas do Capitalismo de Plataforma, assunto do nosso próximo vídeo sobre tecnologia e redes sociais. Mas se esse vídeo te impactou, você pode começar, e se achar justo, agindo em contaminação reversa. Conta pra mim tudo isso nos comentários, eu costumo responder a todos, vamos trocar ideias.
Nos encontramos na semana que vem, assine o meu Catarse ou manda um salve no Pix pro canal continuar existindo. É nóis. Falows.
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Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa.