Industria do Rock: existe rebeldia Conservadora?
- Antologia Crítica
- 18 de ago. de 2024
- 22 min de leitura
Fala, nação roqueira! Finalmente ele, o Rock Episódio Parte 2! [Parte 1: Por que o rock virou coisa de reaça] Sério, eu não esperava que ia ter tanto comentário assim pedindo continuação desse episódio. E eu não esperava ainda menos que ia ter tanto roquista pistola com as críticas provando nosso ponto. Mentira, eu esperava sim.
E como hoje é dia do rock, eu e o Antídoto nos juntamos pra tentar explicar como esse fenômeno histórico da queda do rock ou da transformação do rock de massas pra um rock conservador de gente reacionária aconteceu ao longo da história. Então pra você que não é roquista religioso, que consegue ouvir outras coisas e abrir sua cabeça, prepara seu lencinho, que eu não sei se você vai gostar, e talvez doa um pouco, tá?
Como esse episódio é uma continuação, sugiro que você pare, volte e assista o episódio 1 pra absorver melhor de onde vamos partir aqui dos anos 80, até a gente chegar em 11 de setembro de 2001, quando tudo mudou. Acho que é isso, sem mais enrolações, eu só preciso pedir seu like, seu sininho, sua inscrição e o seu comentário aqui embaixo, até se você tiver muito puto e achar que a gente é poser... que ajuda muito o nosso algoritmo. Acho que é isso, é nóis, e bons vídeos.
Rock é atitude.
Mas, mas peraí, o que diabos significa atitude? Sério, eu sei que parece óbvio, mas não é. Pensa um pouco comigo, atitude de quem? Pelo que? Contra o que? Contra o sistema? Contra as convenções? Contra a caretice? Contra o mainstream? Mas o rock já foi mainstream.
Durante muito tempo, o que mais tocava no rádio, o que mais vendia discos, o que mais lotava estádios, o que mais se espalhava pelo mundo. O rock é um grito contra o opressor. Então, por que os países de onde vem os maiores nomes do rock são justamente os países mais imperialistas? Se o rock é um grito contra o opressor, a Elsa Soares é muito mais rock do que o Led Zeppelin, o Rap da Felicidade é muito mais rock do que Highway to Hell, e Capoeira é muito mais rock do que... bom, do que o rock.
Então, se você quiser analisar o rock com uma definição um pouco menos abstrata, um pouco mais definida, tem duas formas de olhar para o rock que a gente vai usar. O rock enquanto gênero e o rock enquanto fenômeno de massas.
Gênero: Rock
O rock como gênero musical tem, assim como todos os gêneros, as suas cronologias, estéticas, códigos e regras, e também suas exceções.
Ele tem raízes fortes no blues, no country, no R&B, geralmente centrado em ritmos 4x4, com guitarras, baixos e baterias, instrumentos amplificados, performances energéticas, harmonias simples e estruturas com estrofe e refrão. Desses ingredientes básicos, surgiram incontáveis variações e subgêneros.
Além disso, acho que é importante a gente pontuar que ao longo desse vídeo a gente vai usar muito dois termos. Mainstream e underground.
Dentro e fora do circuito industrial, do circuito do topo da música. O nosso foco nesse episódio é falar da indústria do mainstream mundial, ou seja, do fluxo de massa da cultura pop mundial, para só depois entender quais são os reflexos disso no rock e também aqui na indústria do Brasil, que adora copiar os Estados Unidos.
O rock como fenômeno de massa é um pouco mais complexo. Na definição de Stuart Hall, fenômenos de massa são produções culturais que se espalham rapidamente e de forma extensiva, atingindo um público vasto através de meios de comunicação de massa e exercendo uma influência significativa sobre as práticas culturais e sociais.
As grandes mídias se tornaram veículos para que os grupos poderosos da sociedade reforçassem a sua dominação cultural e seus próprios interesses sem parecer que estão fazendo isso.
Veja, isso vale tanto para as mídias tradicionais quanto para as novas mídias digitais. Ou você acha que as big techs não cumprem esse papel, tanto quanto os jornais, os rádios e a TV. O fato é que se hoje tem boa parte desse serviço feito através dessa invisibilidade dos algoritmos ou dessa falta de transparência e de entendimento de como as big techs funcionam, da época em que o rock se tornou um fenômeno de massa até a época em que ele perdeu o seu protagonismo na indústria cultural, as mídias tradicionais tinham praticamente o monopólio do que poderia ser um fenômeno de massa.
Os grandes conglomerados de mídia tinham praticamente o monopólio do que poderia ser um fenômeno de massa. Ao menos no mundo da música, tudo que fazia sucesso o suficiente para influenciar as práticas culturais e sociais, o imaginário e as sensibilidades de muita gente, tudo, mas tudo mesmo, precisava passar pelas grandes mídias.
Era praticamente impossível um disco vender milhões de cópias ou um show vender dezenas de milhares de ingressos se os grandes conglomerados de mídia não tocassem as músicas no rádio, não aparecessem na TV ou ao menos bancassem a gravação, a divulgação e a distribuição de seus discos.
Isso não quer dizer que não tivesse muita gente fazendo muita música fora desse circuito todo. Tinha e muito, e muitas das melhores coisas se você quiser saber a minha opinião. Mas essas coisas dificilmente viravam fenômenos de massa.
É claro que mesmo com todo o seu poder de convencimento, tinha um limite para o quanto que os conglomerados de mídia podiam forçar as pessoas a querer uma coisa que elas não quisessem. Mas só eles tinham os recursos materiais para permitir que um artista, uma música, um fenômeno virasse um fenômeno de massa. E a partir de setembro de 2001, com as mudanças graves que aconteceram na geopolítica e nas políticas domésticas dos principais países exportadores de rock, o que a mídia permitia que virasse um fenômeno de massa, se transformou rapidamente.
Como a gente viu no episódio anterior, ao longo dos anos 60, 70, 80 e 90, o rock mainstream foi se tornando cada vez mais limitado a homens brancos héteros de classe média. Além de deixar muita gente de fora, de alienar muita gente, essas limitações reduzem muito o que o gênero tem a dizer, as suas perspectivas, quem vai se identificar mais com os artistas. Além de reduzir também a característica de grito dos excluídos, os gritos de rebeldia, de dor, de alegria, de festa, de aviso, de guerra, mas gritos dos excluídos, que era uma característica tão poderosa no começo do rock.
"A gente não tem grupo, a gente é punk mesmo, punk de rua. Operário, trabalhador, estamos aí para manifestar também contentamento com o governo, repressão, repressão militar e todo o resto aí, de opressão em cima dos trabalhadores, principalmente da juventude. Porque contestar esse monte de merda aí que rola em cima da gente não é simplesmente uma moda, um uso de visual, curtir um som barulhento e usar de violência contra as pessoas."
Rock nos anos 80
A explosão de muitos subgêneros do rock foram criando seus clubinhos de consumo, suas panelinhas, suas tribos urbanas, suas subculturas, ou o que é chamado de subconscientes de grupo, que criavam suas próprias regras a partir dos gostos em comum com tal banda ou tal estilo.
E como o rock respondia a uma lógica de negação do seu anterior para a continuação do novo na cena do que bombava, muitas dessas mentalidades, sobretudo dentro de eventos do hard rock e das escolas de metal, passaram a se afastar, negar ou se alienar das origens e das causas políticas ou sociais de onde vieram o rock, preferindo o caminho que a indústria propunha de hall a fama e de virar celebridades. A rebeldia como instrumento de mudança do status quo e o ódio como gasolina para a transformação das políticas foi completamente abandonada.
A luta por direitos vai virando cada vez mais uma rebeldia de birra, um foda-se crítico da sociedade, um não quero saber, um eu só quero me alienar. Isso que gerou esse subproduto, esse comportamento desse roqueiro brabo que tá brabo porque tá brabo, porque é roqueiro.
As celebridades e seus problemas com drogas, com violência, com esbórnia costumavam se combinar com as letras e as atitudes sexistas dessas bandas respaldadas por um público majoritariamente de homens e com boas doses de nihilismo sobre a sociedade.
Parece rebelde, mas nada mais lucrativo para a indústria e seus produtos de esbórnia e farra. Você é uma estrela maior do que você é agora? O quê? Sendo quem eu sou, é tipo... O quê? E a palavra é... Dois rapazes de rock'n'roll e uma festa perdida.
Ao mesmo tempo, outras vertentes e estilos de música surgiam ali nos anos 80 fora desse circuito mainstream, como por exemplo no disco, no hip hop, na música eletrônica e que começavam a experimentar e trazer novidades muito mais do que o rock ou pra além do rock.
Isso é claro, não impedia artistas de rock, que não tinham virado religiosos do rock a se misturarem com outros estilos e fazerem canções de pop que ficaram muito marcadas como quando Van Halen e Michael Jackson simplesmente produziram Beat It. Beat It, maluco. Mas não, não vamos misturar rock com outras coisas não.
M"as eu fiquei chateado com o que alguma parte da plateia fez com Eduardo Dussek e com Kid Abelha de jogar pedra. Eu acho o seguinte, cada um tem direito de viver o grupo que gosta. Vem na hora que vai tocar o seu grupo, cara, e em vez de vir jogar pedra, fica em casa aprendendo a tocar guitarra e quem sabe no próximo você tá aqui no palco."
E pior que era isso que acontecia mesmo. Esses artistas eram vistos pelos grupos mais fechados, pelos subgrupos, como vendidos, como não ser true ou qualquer coisa do tipo. E recebiam muitas críticas por se misturarem com outros estilos.
Eu só não entendia o seguinte quando eu era moleque. Eles eram vendidos pra quem se todo mundo ali participava da mesma indústria. Sobretudo no punk, emergiram muitos movimentos nessa época que tentavam fugir desse rock.
Dissolver essas fronteiras de rock com outras coisas. E foi aí que surgiu, por exemplo, o Chemical Brothers, Fatboy Slim, o Prodigy, filhos dessa geração do it yourself, do punk, eram fãs de punk e que misturavam os aparatos tecnológicos do momento, ou seja, sintetizadores eletrônicos, com as guitarras. E faziam esse estilo de som e esse estilo de visual, inclusive. Muito mais rock do que o rock.
A visão, o senso comum do rock'n'roll vai se desligando da rebeldia dos anos 60 e 70 e vai se tornando cada vez mais essa ideia do roqueiro true, do rock wins, que transforma tudo isso em necessidade de consumo como traço rigoroso da sua personalidade. Vai percebendo que tá acontecendo um encapsulamento de comportamento entre os roqueiros, que vão ficando pra trás? Se o visual das roupas extravagantes, das guitarras distorcidas, que antes chocava, agora se inverteu.
A estética da rebeldia no rock vai se transformando cada vez mais em fantasia. A indústria vai percebendo que bastava alguns braceletes, camisetas pretas, distorções e gritaria que dava pra emular essa rebeldia, sem as letras de transformação e de provocação social que o rock fazia. Dava pra esvaziar a pauta e deixar só o rótulo da rebeldia.
Um vazio individual mesmo. Um foda-se. Uma porradaria sem sentido, que fazia o sujeito se sentir parte de um grupo, mas que não transformava porra nenhuma. É o momento de imbecilização do rock'n'roll. E eu sei disso porque eu já fui pego por isso. Eu já reproduzi assim.
Eu já fui e pensei assim. E talvez você também. Conta pra mim aí nos comentários.
Então me parece que esse é o primeiro ponto. E ele começou lá nos anos 80. As coisas vão se despolitizando e perdendo pro visual, pra gritaria performática, pra alguma coisa próxima de uma religião rock.
Cheio de doutrinas, regras, distante de outras tribos, perseguindo aqueles que não sabiam mais e decorado. Aquela ideia de inquisição dos álbuns pra quem usasse uma camiseta de banda, de colocar as pessoas como poser e tudo mais, surge daqui. Dessa época.
Do teatro do rock dos anos 80. E as coisas vão se dividindo. Quem ainda tinha o rock como ideal de ser, ideal de filosofia, ou uma arma de protesto.
E quem queria ser rock na veia, pagode na cadeia. A rebeldia pela rebeldia.
Então tá aí uma coisa curiosa. O debate sobre o fim do rock. E o rock virando reacionário não é algo nada novo. Se o rock tem 80 anos, o debate sobre o fim do rock já tá com uns 40 e tantos.
O fato é que nesse momento da história, o que tava acontecendo é que o rock tinha se incorporado a cultura oficial. O rock and roll era o padrão. Tinha rock nas novelas, nos festivais milionários, nas revistas de sucesso.
E tudo isso diretamente ligado a uma indústria do topo do sucesso.
"Mãe, agora eu sou gótico. O quê? É. Gótico. Gótico é um movimento que tem lá em São Paulo. - Lave já essa cara."
Quando o rock se estabelece como establishment, muito roqueiro começa a gostar.
Se embebeda no melzinho da fama, da grana. E aí, onde fica a sua rebeldia? Cantar contra a guerra do Vietnã e exigir toalhas milionárias no seu camarim? Descolava muito da realidade, o rockstar, do mundo que tava acontecendo.
Essa politização dos roqueiros da primeira geração exigiu muita rapidez, pouco acesso à informação e muita pressão para a coisa acontecer rapidamente na esteira do sucesso.
A gente tá falando aqui de jovens que cresceram, aprenderam a tocar os seus instrumentos, fizeram uma revolução nos seus gêneros e aos 27 anos de idade já estavam mortos. No clube dos 27 não há nada de magia ou de mistério. Você é ninguém, então escreve umas músicas, conhece uns empresários, tietes, revolução, muda tudo, muitas drogas, imprensas, sucesso. E você perde o controle.
Morrer aos 27 pro rock and roll não é nada mágico. Era sintoma de uma indústria de moer celebridade pra lançar outra no dia seguinte.
Por isso, meus amigos, que eu continuo na minha hipótese do primeiro episódio sobre idade e poder. Agora, nos anos 80, nós estamos tendo a primeira geração de roqueiros velhos que não morreram. E que acabaram se aproximando desse conservadorismo por causa da grana que querem manter consigo.
O poder de estar no topo do sucesso, da fama, que exige jogar cada vez mais o jogo dado pelo mercado. Pensa comigo na questão temporal. Um clássico que quebrou tudo dos padrões do Elvis dos anos 50, que foi um estouro, agora toca no bailinho de velhinhos na esquina do bairro.
Os Stones que causaram o terror com Sympathy with the Devil em 1968, tendo que lidar com acusações de satanismo e coisa e tal, faziam um som que soava bem levinho 20 anos depois.
Ou a performance que foi arrasadora do Angus Young e do ACDC pulando com a sua guitarrinha, 50 anos depois vira isso aqui, ó. Meio patético.
E parte do rock queria deixar isso engessado, com performances fixas, pra sempre, não percebendo a mudança da indústria da música.
Mas é claro, essas coisas todas aconteceram na música, só porque existia toda uma sociedade também respondendo às mesmas demandas de outras maneiras. O período da liberdade, do pedido de direito ao seu corpo, contra a ditadura, a favor das experimentações de substâncias alucinógenas, da psicodelia, tudo isso estimulava o rock poder ser o que é e a indústria poder liberar uma pitadinha de experimentação. Mas isso passa.
Por exemplo, a primeira vez que alguém ouviu algum disco como Revolver ou Sgt Pepper's dos Beatles, aquilo ali era a invenção da psicodelia para as grandes massas. Ou como diria o produtor George Martin, era um divisor de águas que mudou a arte da gravação pra sempre. Era a primeira vez que aquelas bandas faziam aquilo, daquela maneira, com aqueles amplificadores e aquelas distorções.
Imagina o que era pra um jovem brasileiro ouvir Mutantes a primeira vez num país que tocava Hermelinha Borba. Era um choque. Essa experimentação do choque é o que manteve o rock'n'roll por tanto tempo.
Essa experimentação da primeira vez, da primeira vez que você toma um porre, da primeira vez que você ouve um rock, da primeira vez que você faz sexo. Isso marca sua identidade. Agora, faça um exercício.
Ouvir essa mesma psicodelia em 2024 vai te trazer as mesmas experiências? É claro que não. Toda música tem um significado duplo ao se ouvir. Enquanto memória da música daquele período, e ódio do que significava a psicodelia daquele período, e a música dos Beatles consagrada agora, depois que tudo aconteceu e que a gente sabe qual foi o destino dos Beatles, o significado dessas duas músicas é diferente.
Portanto, a música não tem valor fixo ou significado único. Ela depende de uma relação social com a sociedade. Ela é uma disputa social.
E como a música é um gatinho muito potente e que atravessa qualquer tipo de racionalização pra atingir emoções que só a música ou a arte consegue fazer, isso te marca de um tanto que não é tão fácil fazer essa separação histórica. Sobretudo se você participou daquele período. Se você viu a dificuldade de chegar com o rock no topo.
E agora um bando de moleque vai chegar e acabar com tudo? É daí que começam a nascer os conservadorismos. Qualquer crítica a uma banda passa a ser uma crítica a mim mesmo. A vida dos meus.
Fazer parte de uma cultura, fazer parte de uma sociedade de identificação é como um time de futebol. Você precisa defender com unhas e dentes. Ainda que isso transforme você num troglodita.
"Não, não toco na sua mão, porque você... Pra mim você não é nada, você não é homem, você não é nada. Tá bom, tá bom. Você é um palhaço. Tá bom. Você é um palhaço que não conhece nem o norte. Vai tomar no c... Vai tomar no c... Hedges, vai tomar no c... Hey, Hedges, vai tomar no c... Hey, Hedges, vai tomar no c... "
E essa criação de exército de bandas com uma série de regras específicas de como se deve comportar um roqueiro é que vai acabando com o rock.
Olha, por exemplo, essa fala aqui. "Algumas pessoas que tinham a cabeça muito aberta e eram ativistas nos anos 60 agora se tornam ultraconservadoras e ficam procurando gurus que lhe ensinem o que fazer. E toda essa religião do rock, ou quando você tenta forçar alguma coisa pra outra pessoa, é uma forma de fascismo e também uma forma de capitalismo."
Sabe de quem é essa fala? Essa fala é do Biafra, o ex-Dead Kennedys, uma banda punk muito importante dos anos 80 reclamando, em 1986, o quanto o rock tinha virado conservador. E eu tô me segurando aqui pra não abrir mais um parênteses e falar do que virou o Dead Kennedys depois da saída do Biafra, que há pouco tempo veio no Brasil e cancelaram o show pra agradar bolsonarista por causa de polêmica de cartaz. Muito punk, hein? Mas isso é um assunto pra outra hora.
Só que você percebe como o que a gente tá falando aqui é algo muito antigo e como a história é um continuismo, como os xingamentos que vão ter aqui embaixo estão ancorados lá nos anos 80.
"Não tem como você chegar e falar o que você sente contra a repressão policial, contra o governo, contra tudo. Então, o único meio que a gente tem é pela música. A gente pôs tudo pra fora, sabe? Tudo que tá acontecendo atualmente. Será que o punk tá virando moda? Eu acho que sim. Com os burgueses. Burgueses andando com cintos, bracelete, com os cabelos arrepiados. E tanto que a gente apanhou de montão por causa de andar com bracelete. Até hoje... Agora vira moda, mas depois, sei lá, você usa, o pessoal cai em cima. Agora virou moda, sei lá, ó. Toda esquina você encontra. Até hoje nós apanhamos por causa de bracelete, cintos, ficamos sem bracelete, sem cintos, sem botões. E depois eles andam com nosso visual e com eles tudo bem, porque eles são burgueses."
Eu sei que eu vou puxar a sardinha pro meu lado, mas essa história é louco demais, não é? Agora veja, isso não quer dizer que morreu a política no rock mainstream, que morreu o rock de protesto pras massas. Claro que não. A crítica social na música continuou, apesar de todo o domínio da indústria.
Continuou nas brechas, nos buracos. Apesar de tudo, os anos 80 ainda são muito marcados por músicas de política, por músicas de protesto e foram muito importantes, por exemplo, no rock brasileiro. Tanto artistas quanto público continuavam resistindo pra consumir e usar a música de rock como uma forma de protesto e transformação do seu ideal e também da sociedade.
O dia 3 de julho, por exemplo, dia do rock, foi instituído pra comemorar justamente uma ação política, o Live Aid de 1985, quando uma transmissão de TV pra 1,5 bilhão de pessoas colocaram muitas bandas pra arrecadar dinheiro contra a fome na África. E esse foi um evento que marcou pra todos sempre o rock and roll e teve shows espetaculares, como, por exemplo, o Auge do Queen.
Mas é claro, também recebeu crítica, sobretudo dos punks, mostrando que isso era uma indústria financiando um espetáculo pra transformar a fome em show e o quanto isso era um absurdo.
Mas enfim, sempre vai ter crítica, né? E essa zona incomodava muitas pessoas em muitos lugares. Muitas resistências começaram a surgir, muitos tipos de música pra reclamar não só da sociedade, mas da própria música, do que ela estava se tornando, da sujeira, da podreira, da poluição que estava se tornando o rock and roll.
Rock nos anos 90
E foi assim, nessa sujeira e nessa barulheira, que entramos na década de 90.
Uma espécie de ressaca, um cansaço pós-guerra fria e uma sensação de angústia social com o que estava se desenhando e sendo chamado de fim das utopias. Ou até de fim da história, com a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. A falta de imaginário, de conseguir pensar algo pra fora da indústria do capitalismo parecia se assentar em todas as áreas, inclusive nas artes.
E, por consequência, no rock and roll. As esperanças e as chances de novas ideias e imaginações pareciam cada vez mais sufocantes. Um dos últimos respiros dentro do mainstream surgiu, obviamente, lá no alternativo, no underground.
Nascido na cidade de Seattle, nos Estados Unidos, o grunge rasgado, sujo, misturado ao metal e cantando as angústias da década de 90 deu a letra do que seria aquele período. Nirvana, Soundgarden, Pearl Jam, Alice in Chains tentavam resistir à fama e ao glamour que o rock tinha virado. E se teve alguém que lutou pra manter o rock até o fim foi o Nirvana.
Ou, sobretudo, Kurt Cobain. Mas a gente já vai falar dele.
É claro, o grunge não surgiu do nada. Ninguém ali inventou a roda. Teve muitos precursores desse movimento. Gente como Neil Young, que muito antes do movimento estourar já fazia coisas parecidas.
Um exemplo notável é o Bam Bam, uma banda de Seattle dos anos 80 liderada por uma mulher negra. E a essa altura do campeonato você já deve até imaginar o que eu tenho pra dizer a respeito disso, né?
Mas até os anos 90 o rock ainda era bastante politizado. Além de bandas extremamente baseadas em política, como Rage Against the Machine, o tema era muito importante pra vários exponentes do rock da época.
Nos Estados Unidos, do Nirvana ao Red Hot Chili Peppers, dos Beastie Boys aos Guns N' Roses, era muito comum achar temas políticos nas músicas. Na Inglaterra, mais ainda. Além, é claro, de bandas como Radiohead e Blur, onde a política era central, não era incomum ter músicas bem politizadas, como Common People do Pulp, nas primeiras posições das paradas.
E no Brasil? Bom, o Brasil merece um episódio todinho dele. Mas, por agora, basta lembrar que de Raimundos a Skank, de Pato fu a Sepultura, de Charlie Brown ao Rapa, de Planet Ramp a Chico Science e Nação Zumbi, todo mundo falava de política nos seus discos. Sério, provavelmente você não pensa em banda politizada quando pensa no Skank, por exemplo.
Mas nos seus primeiros discos, a política era o principal tema das letras da banda. A primeira composição da banda que tocou sem parar nas rádios do país foi Indignação.
"A motivação, obviamente, era política pra essa letra, né? A derrocada do governo Collor, com vários escândalos aparecendo, a gente tem que pensar que ali no início da década de 90, a gente tinha apenas 5, 6 anos que tinha saído de uma ditadura, onde poderia se manifestar politicamente."
Eu uso Skank como exemplo porque não tem nada de único com o que eles estavam passando. Essa era a realidade da geração inteira deles. Mas sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, isso durou até 2001.
Depois do que aconteceu em setembro, a indústria musical virou uma chave. Ficou praticamente impossível que uma música criticando os governos dos Estados Unidos ou do Reino Unido virasse um hit. A indústria não iria permitir.
A história dos Estados Unidos, você sabe, pode ser escrita como uma longa história de paranoia contra algum inimigo incomum. E agora era época de guerra ao terror, guerra ao terrorismo. E aí absurdos do tipo até músicas do ACDC como Highway to Hell, ou a Aeroplane do Red Hot Chili Peppers, só porque tinha um avião na capa acabaram sofrendo censura nos Estados Unidos.
Em 2001, a banda Jimmy Eat World lançou um disco que precisou sair das prateleiras porque se chamava Bleed American. O Bush, que lançaria seu álbum um mês depois de setembro de 2001, por coincidência, também tinha um avião pegando fogo na capa e precisou censurar e tirar todos os discos por ali. E assim por diante, todas essas músicas foram gravadas por artistas grandes como Paul McCartney, Gorilas e um monte de outras pessoas sobre 2001 e sofreram boicote.
Não é estranho que nos anos 60 com a Guerra do Vietnã, quase todos os maiores nomes do rock tenham protestado contra, lançado músicas criticando o que o governo estava fazendo, ao ponto de esse virar um dos principais símbolos das memórias daquela época. E que nos anos 2000, quase ninguém de peso no mainstream tenha criticado as ações desumanas feitas contra inocentes, a indústria realizou ativamente um boicote contra artistas que se posicionassem de maneira crítica ao governo Bush. Um exemplo notável é o das Dixie Chicks, uma das bandas que mais fazia sucesso de público e crítica nos Estados Unidos.
Todos os seus últimos álbuns tinham ficado no topo das paradas e sido premiados, e elas são até hoje o grupo feminino que mais ganhou Grammys na história. Todos os seus shows estavam lotados, até que a vocalista Natalie Mendes criticou o Bush e a invasão do Iraque em um de seus shows. Elas receberam ameaças de morte, tiveram seus patrocínios cortados, foram boicotadas pelas rádios, gravadoras, lojas e até por outros artistas.
As vendas despencaram, distribuíram latas de lixo enorme para jogar fora seus CDs, fizeram fogueiras para queimá-los e destruíram pilhas enormes com rolos compressores. A indústria não fez isso com artistas condenados por crime de violência, abuso ou racismo, mas fez contra essas mulheres por terem dito ser contra a violência e a guerra. A indústria não permitiria que ninguém se manifestando assim fosse um grande fenômeno cultural.
Isso atingiu todos os tipos de música, mas no rock o impacto foi maior, porque a rebeldia, elemento central do rock, não tinha mais espaço na indústria. A estética da rebeldia tinha. A rebeldia mesmo, quase nada.
E isso tem tudo a ver com o declínio do rock enquanto fenômeno cultural. O fenômeno que já tinha sido diverso, plural, falando das questões relevantes do seu tempo sob diversas perspectivas, agora tinha basicamente um tipo de pessoa cantando sobre um tipo de assunto. Assim vai ficando difícil se renovar, renovar os seus públicos, seus artistas.
Enquanto isso, muita gente simplesmente se interessava mais por ouvir e criar músicas em outros gêneros e muita gente que continuava fazendo rock não se encaixava na indústria e seguia fazendo trabalhos excelentes, mas pra um público cada vez menor.
A canção popular como arma de protesto já não era mais o que interessava a indústria. Ou, citando Frederic Jameson, "Os produtores culturais não podem mais se voltar para lugar nenhum a não ser o passado. A imitação de estilos mortos. A fala através de todas as máscaras estocadas no museu imaginário de uma cultura que agora se tornou global." Tudo que restaria dali pra frente seria imitar estilos mortos.
Replicar as vozes de um museu imaginário. Um fantasma que tinha virado rock'n'roll. Foi esse medo que tinha tomado a cabeça de Kurt Cobain na década de 90 e o consumiu por completo em 1994. Também aos 27 anos.
Ter nascido nesse pós-história onde o rock, ou funil da indústria do rock, já estava completando 40 anos e estava completamente dominado, angustiava. Kurt Cobain sabia disso. Sabia que era só mais uma peça do espetáculo.
Que nada funcionava melhor na MTV do que um protesto contra a MTV. Que nada funcionaria melhor pra indústria do que um jovem quebrando as guitarras e ganhando patrocínio pra quebrar guitarras.
Cada gesto de Kurt seria um clichê. Previamente roteirizado. E até ele saber disso e ficar angustiado criando mais canções também era um clichê anunciado.
Essa é a descrição de Mark Fischer em Realismo Capitalista que resume bem essa década de angústia pro rock. A sinuca de bico que o Nirvana e tantas outras bandas dos anos 90 começaram a perceber é que não dava mais pra imaginar saídas pro rock sem ser imitar estilos passados. Copiar e ser ator de uma peça num roteiro pronto pra você atuar.
O sucesso nesse sentido é o fracasso. A fama significa então apenas que você tem a qualidade pra servir de prato fast food pra um mercado. E logo menos ser devorado.
E todas suas ideias, artes dores, novidades são pra virar camiseta e moletom pras pessoas se vestirem igualzinho a você cortando o cabelo igualzinho a você se comportando igualzinho a você se transformando ou se transformando em produto. Por isso nesse vídeo a gente misturou alguns estilos, aproximou coisas que musicalmente não parecem parecidas. Foi de propósito.
É pra mostrar que esse olhar mais sagrado que temos do rock não funciona pro mercado, amigo. Isso é pra nós. Do ponto de vista da indústria, só lhe restam formas diferentes pra vender CD e camiseta.
Pra Mark Fisher, a morte de Kurt Cobain foi simbolicamente a morte de qualquer esperança ingênua na música. Parecia que a partir dali não seria mais possível pensar em utopias. Morria Imagine e John Lennon e morria Kurt Cobain e todos seus gritos.
Com a percepção de que tudo é canibalizado pelo sistema. Até a sua vontade de destruir o sistema é produto pro sistema. E isso inclui esse vídeo.
Restava o que então? Pastiche e Revivalismo. Viver da época e dos tempos gloriosos que falamos na primeira parte. Percebendo a impossibilidade de recriar o fenômeno do rock de maneira diversa, plural, diferente. Muito desses roqueiros e da industria do rock abandonaram o experimentalismo pra abraçar a performance de si mesmo. Largaram a ousadia, o teste de limites, a tolerância pra virar caricatura. Fantasia de roqueiro.
Tudo passa. E esse foi um dos erros do rock'n'roll. Dentro da lógica da indústria, da lógica do lucro, as coisas vão se repetindo, as fórmulas vão se esgotando, as novidades vão acabando e é preciso buscar um outro estilo. E você ficou pra trás.
E quem não entendeu isso tá condenado a ficar reproduzindo covers, covers, covers e mais covers, não se misturar com mais ninguém sonhando que um dia o rock vai chegar no topo novamente. Não vai.
O consumismo tem esse poder de agir como uma espada que corta qualquer sonho de ideologia. Penso eu que ao lado da indústria da moda, a do rock foi só mais um exemplo da vendabilidade elástico das suas vontades. As reciclagens regulares de tempos em tempos, de transformar aquilo que era chique em brega, aquilo que era brega em chique e tudo aquilo que você viveu é só mais um cover de algumas décadas pra trás.
O consumismo engole tudo. O capital transforma toda sua identidade em consumo. Ou em mera performance do que um dia foi o rock'n'roll que dava medo, que mudava status quo, que protestava.
Veja, não importa o quão extrema e gritante, o quão gutural, corpse-paint, descolada, chique, fashionista ou sei lá o que, seja o seu rock. Se ele não for colocado de maneira clara sobre o poder da indústria e sobre o poder de decisão do capital sobre a sua música, você tá fadado a ser engolido.
"Ah, um roteiro bem alegre, né? Sabe o que que esse cara fez depois que escreveu esse livro?"
Rock, como gênero musical, segue vivo.
Muitos dos seus artistas clássicos estão morrendo e nós vamos continuar sofrendo quando isso acontece. Mas as suas músicas seguem relevantes. Os ingressos dos shows do Paul McCartney seguem esgotando, os botecos continuam enchendo quando tem banda cover do Guns, muito adolescente ama os rocks da Olivia Rodrigo, as propagandas continuam usando as músicas do Queen, os trailers de filme continuam usando rocks clássicos e por aí vai.
Já o rock como fenômeno de massa, aí é outra história. Ele não morreu, ele foi assassinado quando desligaram as máquinas que injetavam sangue nele. E esse sangue é, e sempre foi um grito.
Um grito de revolta, de dor, de alegria, de festa, de aviso, de guerra. Mas sempre um grito de rebeldia.
Enquanto você ainda está aqui, bom, talvez você tenha muitas perguntas e reclamações de que faltou isso, faltou aquilo.
No underground, fora do mainstream, o que é que estava acontecendo? Qual o papel das Riot Girls nos anos 90, dos Emos nos anos 2000? Será que o Roger Moreira sempre foi um idiota? Então eu tenho duas excelentes notícias.
A primeira é que a gente já gravou mais um bocado de coisa e o episódio 3 já está no forno. A segunda é que a minha amiga Renata Svoboda preparou uma playlist só com mulheres fodas do rock e outras mulheres que não são exatamente do rock, mas são mais rock'n'roll do que muito roqueiro por aí.
Então, enquanto não sai o episódio novo, curte a playlist. É nóis. Falou.
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Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa.