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Como combater o Rock Conservador: Heróis do Punk ou Traidores do Movimento?

  • Antologia Crítica
  • 20 de ago. de 2024
  • 21 min de leitura

Atualizado: 23 de ago. de 2024



Opa, suave por aí? Vamos mandar real aqui pra você. Nós estamos muito empolgados com a série do rock. Muito mesmo.


E tão empolgados que eu assumo meu erro aqui. Eu calculei mal, mais uma vez, os tempos, os tamanhos dos episódios, os impactos que ia ter por aí. Eu não tava esperando que a minha pesquisa rendesse tanto e ficasse com episódios tão gigantes.


E eu sei que aí, do outro lado, você também sentiu falta de banda tal, movimento tal, e não sei o que, não sei o que lá. Porque o rock é multiplicidade. Toda banda que a gente escolhia nessa série, automaticamente, significa que a gente não vai falar de milhares de outras.


E há muitas estradas pra gente recorrer, percorrer, e eu admito que isso acabou travando a minha escrita, travando a minha série. E por isso que demorou um pouco pra sair os primeiros episódios, mas agora eu resolvi. Eu resolvi admitir que isso aqui virou uma série e que a gente vai tratar tema por tema até o final.


Então, este capítulo aqui vai resolver os problemas que ainda ficaram no rock mainstream dentro da nossa tese que o rock tá envelhecendo, que tá tendo um sequestro da rebeldia para os movimentos conservadores, sobretudo ligados à extrema direita. Daí, resolvido esse episódio, a gente vai ter um episódio só sobre underground, ou seja, falar da origem histórica e de classe do punk, do metal, dos góticos, e aí, enfim, no final, aplicar isso para um episódio inteirinho só sobre a história do rock brasileiro. E como essas coisas funcionaram por aqui, como os movimentos da gringa impactaram no nosso país.


E aí a gente fecha uma série de verdade, depois de eu lançar uns vídeos extras sobre emo e sobre metal também, mas não conta pra ninguém. A boa novidade é que isso agora tá tudo quase escrito e tá tudo quase gravado. Acho que vai dar certo.


Então, já tô explicando para os ansiosos de plantão como é que vai funcionar esse episódio e se isso aqui fosse um rock, um pop, que tem verso, refrão, pré-refrão. Esse capítulo é sobre uma ponte, uma sessão de lado para conectar as ideias e a gente já já voltar no refrão. Vamos fazer também um esforço de linha temporal.


Cada ato aqui vai ir e voltar para o passado e para o presente para ver como as coisas se desembocam e depois retornar mais uma vez. Pode ser assim? Acho que agora tá bem explicado para os ansiosos e escolhemos para isso a catar o que vocês tanto estavam falando nos comentários. "É, mas essa tese aí, e o disco do Green Day? E o disco do Green Day? Ah, fala do American Idiot, do Green Day, fala do American Idiot, fala do Billy Joe."


Tá bom. Então, a gente começa esse episódio com seu like, seu sininho, sua inscrição e o tal do Billy Joe e o American Idiot.


O tal do disco do Green Day



Setembro 2004.



Três anos se passaram desde o evento que virou de ponta cabeça a política internacional e a mídia doméstica dos Estados Unidos e de seus aliados. Três anos de boicote severo e sistemático a quaisquer artistas que criticassem a política desses países.


Poucas exceções conseguiram projeção no mainstream, como o System of a Down, que mesmo chegando a ter o álbum Toxicity no topo das paradas, ainda encontrava grandes barreiras para tocar fora da MTV e das rádios de rock, além de chegar a ser vítimas de violência em seus próprios shows.


E daí...



Em meio a todo esse bloqueio, Green Day, que fazia muito sucesso comercial, mas não era amplamente levado a sério como uma banda crítica e politizada, aparece com um álbum que consegue furar as bolhas e colocar músicas críticas nos primeiros lugares das mais tocadas, angariando elogios, prêmios e estádios lotados. Houve tentativa de boicote? É claro que sim. Por exemplo, o Walmart, a maior rede de supermercados dos Estados Unidos, se recusou a vender o disco. Mas não adiantou muito.


Pela primeira vez desde o início do boicote da mídia e de grande parte do público, e talvez pela última vez na história do rock, o principal assunto das revistas e programas de música e das críticas especializadas, ainda que por um breve momento, foi uma banda de rock fazendo música sobre política, criticando o governo dos Estados Unidos, o imperialismo, a desigualdade e a alienação do seu próprio povo. Mas como diabos isso foi acontecer? Bom, foram vários fatores.


1. Já fazia 3 anos que os ataques tinham acontecido. Apesar de tratar de assuntos delicados, a essa altura alguma poeira já tinha baixado e algumas feridas estavam cicatrizando nas sensibilidades do povo dos Estados Unidos.



2. O Green Day estava com sangue nos olhos. Além de ter as gravações de um disco quase pronto, roubadas, e decidir abandonar o projeto e começar um disco novo do zero, é difícil dizer para bandas punks você não pode falar sobre isso às vezes pode acabar aumentando ainda mais a vontade de... falar sobre isso.


3. Os fãs do Green Day também estavam famintos por um disco novo. O último álbum de músicas inéditas, Warning, tinha saído em 2000 e era um álbum mais acústico, com influência de folk e tal. Então fazia um bom tempo que a banda não lançava um disco mais agitado e cheio de guitarra, desde 1997.


4. A ausência de pessoas fazendo críticas no mainstream fez com que a exceção chamasse ainda mais a atenção. As pessoas que discordavam das políticas e do silêncio imposto a respeito delas estavam famintas por algo que representasse essa discordância.


5. Era um disco ao mesmo tempo ambicioso e detalhado para o fã que fosse ouvir várias vezes com atenção, mas também era um disco acessível para um ouvinte casual.


Várias músicas tinham potencial para ser hits e a estética dele cativou os afetos de muita gente, inclusive pessoas que teriam discordâncias com as ideias apresentadas ali mas que se agradavam da música propriamente dita. Uma música específica, Wake Me Up When September Ends, não falava sobre essas questões políticas, falava sobre a morte do pai do Billy Joe, mas despertou a empatia de muita gente que estava traumatizada com os eventos que aconteceram naquele setembro.



Isso fez com que muita gente, ao invés de sentir um antagonismo com o que estava sendo apresentado ali, sentisse algo mais no sentido de estamos sofrendo juntos.


6. Ele foi lançado um pouco antes das eleições presidenciais e Bush estava concorrendo à reeleição. Isso criou uma janela de oportunidade para as pessoas que queriam criticar o governo sem parecer traidoras da pátria ou qualquer coisa assim.


Embora o álbum tenha influenciado muita gente e renovado a relevância do Green Day, ele não abriu as portas para que o mainstream permitisse muita política, inclusive dentro do rock. Nesse sentido, foi meio que um último suspiro. Mas a política e a rebeldia do rock seguiam fortes nos espaços à margem, onde elas sempre tiveram. No underground, no alternativo.


Meu nome é Tina, Tina Ramos, e eu sempre fiz parte do movimento punk. Eu estou no movimento há mais de 30 anos. O punk tinha um ideal, né? O ideal era o quê? Destruir o sistema, né? Não era só uma rebeldia. Não eram os meninos rebeldes de cabelo arrepiado e jaqueta de couro, sabe? Era um movimento muito grande, muito forte.


Desse momento, do outro lado dos Estados Unidos, bandas como o Minor Threat e o Bad Brains desenvolveram um outro tipo de hardcore.


Se é negação da negação, o mínimo do punk era quase nada. Instrumento rangido, vocal de grito, anti-música, só atrito, onde o feio é o novo bonito. E aí, qual é a negação da negação disso? Uma postura anti-autodestrutiva e que cultivava o contrário. Nascia assim o Stray Edge.



Nas cenas estadunidenses de hardcore dos anos 80, vai surgir esse movimento que recusa o álcool, recusa as drogas, como reação ao abuso da substância pelos punks. Enquanto para os punks que usavam drogas, isso seria se revoltar contra o sistema, os Stray Edge, tentando responder este tipo de rebeldia vazia, colocavam que o verdadeiro descolado era se manter sóbrio, sem se alienar diante da realidade.


E aí você vê o poder da dialética e como as coisas são interessantes. A mesma coisa e a mesma prática, dentro do mainstream e dentro do underground, são percebidas de maneiras diferentes. Porém, ambas ainda estão tentando quebrar as barreiras do comum, e quando isso acontece, é que coisas aparentemente contraditórias podem se misturar.


E foi assim que esses punks misturados foram surgindo, punks mais melódicos. Na Inglaterra, os punks também começam a flertar com o anarcopunk, com outras questões como a não violência, como o veganismo, outras pautas de libertação para além da libertação humana, focar na libertação animal e assim por diante. Outros temas também para focar no indivíduo.


Por exemplo, em 1985, aconteceu o Acampamento Hardcore de Washington, que reuniu a cena para debater o machismo e a violência que estavam acontecendo naquele momento. Discutir também pela primeira vez o sentimento das pessoas de se abrir diante dos outros. E desse acampamento, várias bandas saíram. Guarda essa informação.


No mesmo momento, na Califórnia, outro berço do punk e do hardcore dos Estados Unidos, bandas como o Bad Religion e o NoFX estavam ajudando a popularizar esse som mais melódico, esse hardcore que se permitia ter letras mais acessíveis, que falasse de política de maneira indireta. O clube 924, da cidade de Berkeley, mantinha uma tradição de sempre lançar novas bandas e apoiar o gênero do punk rock.


Uma dessas bandas era a Sweet Children, dos amigos Billy Joe e Mike.



O Sweet Children, que não queria competir com a originalidade do nome Sweet Baby, uma outra banda da cena, mudou para Green Day, basicamente porque eles gostavam de se encontrar para fumar maconha. Que justo, né?


No início, o Green Day começou a chamar atenção no punk underground e assinou um contrato com um selo indie, ou seja, um selo independente muito respeitado pela cena, que valorizava tudo aquilo, e com isso conseguiu fazer a sua primeira turnê e os seus primeiros sucessos.


E aí, como acontece com todas as bandas de rock, seja no metal progressivo, seja no punk, seja onde for, a hora que o Green Day passou a fazer sucesso, foi colocado no balaio dos vendidos. Essa treta de underground contra mainstream, rock vs pop, pressionava o Green Day naquele momento, que tinha sido convidado para assinar com um grande selo, o que significaria se vender para o sistema e romper com todos os princípios do punk rock.


Há dentro da tribo dos rockistas, e você não pode negar isso, de que tem uma regra não dita, que é a da obsessão pelo fracasso, que o fracasso significa sucesso, que se você não conseguir nada, significa só que a indústria não quis te comprar.


E aí, todos aqueles que decidem se profissionalizar, são tratados como vendidos. Quando a banda lançou o Duke, esse punk rock mais melódico fez muito sucesso, explodiu e chegou no mainstream, nas paradas de sucesso, apesar de rejeitado pelas bandas do cenário de onde foram criados. Então, quando o Green Day decide aceitar assinar com a Reprise, uma grande da indústria, aí ele é jogado às traças.


Ninguém mais levava sério o Green Day. Hoje, é fácil de enxergar, porque o álbum virou um clássico, mas American Idiot não foi exatamente bem recebido pelas bandas do cenário de onde foram criados. E aí a ideia era o seguinte, pegar essa grana, agora que eles são uma banda gigante, para fazer um álbum politizado, para tentar salvar as origens do punk, e voltar para a cena.


É daí que veio o American Idiot. Ele não é só um marco para a cultura, e como resistência, e como exceção da nossa tese, que a gente trabalhou no último vídeo. American Idiot também é uma resposta para o próprio dilema underground contra mainstream, o que mantém a nossa tese.


E por isso a gente deixou para trabalhar ele separado. American Idiot é um álbum conceitual, um musical, coisa que de fato surpreende ser abraçado. Mas ele trata justamente de temas que fazem sentido serem tratados nos Estados Unidos.


Um personagem alienado, frustrado, reclamando da sua geração, e por isso a sua parte punk passava pelas pessoas que só ouviam a parte pop do Green Day. Essa é a parada. E é dentro desse cenário que o álbum vai sair.


Sem contar que há uma leitura possível também de que o americano adora comprar coisas com esse orgulho patriótico, e ele acha que tá rindo de si mesmo e criticando o seu país, quando na verdade ele tá sendo a própria caricatura. Por exemplo, American Idiot acabou virando um musical da Broadway em 2009. E aí sendo um musical da Broadway, inserido nessa indústria até as goelas, Qual é a sua força de transformação real? Não sei, é só uma pergunta, tô jogando por aí.


Quando você chega nesse ponto de fama da indústria, também tem um fenômeno interessante, que é uma certa desatenção que existe no mainstream. Quando você faz algo de muito sucesso, aquilo é meio esvaziado de sentido. Nem todas as pessoas vão pegar a camada do que você tá falando, e a maioria delas só quer uma musiquinha pra balançar.


Cito então um dos artigos que a gente leu e que estão aqui na descrição. "O mundo contemporâneo é um mundo que não nos dá tempo pra sentir a profundidade das coisas. Nesse formato pop, as coisas podem ser comercializadas sem causar danos ou constrangimento ao sistema. A maioria das pessoas nem se lembra da letra, ou até nunca nem prestaram atenção no que a letra dizia. E essa parece ser uma das características da nossa contemporaneidade."


Bom, me parece que esse artigo explica muita coisa do que a gente tá perseguindo no nosso episódio, não é? Explica, por exemplo, o ódio que as pessoas têm do Pink Floyd ter se envolvido agora em política.


Pode acontecer, talvez a pessoa verdadeiramente nunca tenha compreendido Pink Floyd. Ouviu porque era legalzão, porque era coisa de doidão.


A música é múltipla mesmo, pode acontecer. Isso explica, inclusive, que talvez a pessoa não entendeu que a machine que é pra você sentir Rage Against fonte do sistema capitalista, e não uma impressora HP.


E é nessas brechas que as coisas começam a acontecer. Por isso que o Radiohead consegue fazer tantas críticas a partir de Noam Chomsky dentro do seu álbum de 1997.


É por isso que o System of a Down consegue fazer álbuns tão críticos às guerras e consegue se inserir nos Estados Unidos. Existe um limite de tolerância. Porque absorver, aceitar e vender quem é crítico do seu sistema também é uma forma de autopropaganda.


Eu poderia aqui ficar horas citando o Linkin Park, o Rage Against ou sei lá qual banda você vai pensar que mistura política, sociedade e que tá lá no mainstream. Mas o meu ponto aqui é outro. Então não é nem que a rebeldia foi sequestrada pelo conservadorismo. Isso até é verdade. Mas mais verdade ainda é que existe uma despolitização e uma alienação ativa em quem escuta e em quem produz música por causa da força da indústria. Isso fecha o nosso ponto do porquê o rock às vezes vira conservador.


A rebeldia pode ser cooptada quando falta informação pra pensar sobre aquilo que você tá fazendo. E a coisa é tão múltipla e difícil que ao mesmo tempo que esse Green Day era rejeitado no underground e isso motivava com que bandas fizessem estilos de punk diferente deles pra rejeitá-los, o que cria novas músicas e novos rótulos e novas coisas, eles também inspiraram muita gente a conhecer o punk através do mainstream se inserir na cena. Isso também criou uma nova onda, uma nova comunidade, novas pessoas engajadas no anticomercial e talvez seja assim que a roda gire.


Nessa dialética da negação e do conflito é que o rock continua.


O Punk no mainstream


O Green Day veio junto do Offspring, bandas de pop punk fazendo sucesso. Dentro da lógica da indústria, cada vez mais bandas vão surgindo e cada vez menos politização vai acontecendo.


Os rótulos vão se perdendo e as estéticas performáticas vão se sobressaindo. E suspenda o seu juízo de valor aqui. É dessa onda que vem o Blink-182, uma banda californiana, também igual aos outros, uma melodia ainda mais pop, com as guitarras rápidas, os baixos ocasionais, mas com um refrão bem popular, com volta, com temas ainda mais leves do que as bandas que tinham se inserido a partir do Green Day.


Uma estética que não tinha mais nenhum engajamento social. Eram na maioria das vezes meio banais, imaturos, até meio obscenos, naquela coisa meio americana idiota, tipo humor American Pie, sabe assim? O estereótipo do adolescente palhaço hiperativo. O principal álbum do Blink leva uma mulher fantasiada de enfermeira, de modo hipersexualizado.



Sem contar as músicas que falam de alien, que falam de desabafo sobre a adolescência. E ali no meio, uma música séria sobre suicídio, que é a Dance Song. Esse jeito do Blink vendeu muito e foi utilizado pelo que bombava no momento que era MTV, influenciando jovens do mundo inteiro.


Então, eu acho que nesse momento a gente precisa falar dela, a rainha. Aquela que mostra perfeitamente como é possível esvaziar o punk e colocar como produto que vende é a princesinha do pop punk, Avril Lavigne. Aquela rebeldia da loira que gostava de ter amigos meninos.


E por isso era rejeitada. Melancolia, temas adolescentes, o rock da abertura da malhação. Acho que isso resume tudo.


Avril Lavigne representa o punk na sua forma máxima de pop esvaziada. Uma diva pop igualzinha ao Britney Spears, só que com o skate nos pés. Meia listrada e bonézinho de lado. E gravata, coisa de regatinha e flogão. E antes que você ache que é hate pra qualquer uma dessas duas bandas, não.



Se pergunta. Como é que você acha que eu sei de tudo isso? Esse vídeo não é sobre gostos ou qualidade musical, mas posição de mercado. Tenta fazer essa separação, por favor, tá?


E aí, Avril Lavigne é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo, ela cria um monte de mercado para ídolos teen. Vendendo revista, camiseta, caderno e tudo mais. Mas também apresenta o rock e introduz o estilo pra muita molecada que tava se perdendo em outros lugares.


É o produto do produto do produto do produto. Tipo quando a Avril Lavigne fez um clipe sobre kawaii. E eu me nego a falar sobre isso nesse episódio. A gente já falou em outro capítulo aqui.


E a Avril nunca fez parte de uma cena de punk underground no sentido tradicional. Ela não passou a tocar em clubes vazios e depois conquistar uma cena, lançar as coisas de farm independente e aí ser descoberta pela empresa.


Ela estava ali como um produto 100% criado desde adolescente pra uma nova onda que surgia. A ideia de tentar salvar o rock. Não sei do que. Não sei de quem.


Acho que ao longo dos episódios vai ficando claro que o punk é um pouco o MC Catra do rock. Tem filhos que não acabam mais.


Essa ideia de do it yourself também é o que vai embasar a ideia de indie ou rock alternativo. Essa estranha categoria de subcultura, gênero musical e sonoridade ao mesmo tempo. Num cenário que vai ficando cada vez mais difícil se diferenciar. O indie tem o caminho confuso. Quanto mais diferente, mais descolado. Quanto mais desconhecido, mais sucesso.


Mas o sucesso leva essa banda para o mainstream. E aí? Ela se mantém indie? Indie é de independente. Independente de quem? São essas as perguntas que tinham como tônica de um gênero que foi pautado na grande mídia como aquele que ia salvar o rock.


O Franz Ferdinand foi vendido assim. O Arctic Monkeys foi vendido assim. O The Killers foi vendido assim.



O rock acabou melhor ligar sua TV Essas bandas também já estavam como parte absorvida e industrial de uma cena que surgiu no underground mais uma vez lá nos anos 80. A compilação C86 da revista NME. Uma compilação de bandas gravadas em fita cassete de forma lo-fi com o que estava fazendo sucesso no momento e vendida como a coletânea mais indie que existe.



Sons completamente diferentes entre si, mas ligados sob essa premissa de negação do glamour do sucesso. Negaram tanto que a coletânea não explodiu e não fez nenhum sucesso no mundo pop. Mas alimentou a vanguarda criando e inspirando um novo jeito de fazer um som.


Mas as bandinhas mais descoladas passam a emular a ideia do C86. Isso deságua numa consequência. Indie passa a ser então um jeito de soar como gênero.


Mais do que um pressuposto de negar a indústria ou reflexões sociais de mercado nesse sentido. E combinando com a modernidade que vivemos, indie vai ficar uma categoria completamente louca. Às vezes no submundo do underground, às vezes fazendo sucesso, às vezes colocada como rock alternativo que é quando uma banda é indie mas não é independente.


Confuso. É o momento pós-punk, pós-punk. Pós-pós-punk.


Killers, Strokes, Arctic Monkeys, White Stripes, Hives, Interpol, Vampire Weekend, Fratellis e eu poderia ficar 20 minutos citando banda após banda. E aqui tá a complicação do indie.


Esse momento post-punk revival. Reviver aquilo que o punk já enxergava como pós e não se vê como construtores do futuro. Mas um remember. Premissa bastante conservadora.


Hoje em dia a indie virou um guarda-chuva vazio que vai do lo-fi até mais experimental passando pelo post-rock até o brit-pop ou o pop popíssimo tipo, sei lá, Lana Del Rey, Marina ou a Lorde. E rock alternativo então nem se fala. Teve aquele período nos anos 2000 que a coisa foi esvaziando cada vez mais e rock alternativo passou a ser rock bonzinho. Com clipes esteticamente questionáveis. Tipo Nickelback. The Calling, Three Doors Down que flertavam com a época da boyband ou as bandas que pra abraçar o mainstream e o sucesso total continuam a fórmula de se chamar de rock alternativo, mas nesse lugar completamente pop.


Dançante, legalzinho, mas nada reflexivo. Imagine Dragons, Maroon 5 e assim vai. No Brasil as resistências estão nas cenas locais.


Fora do circuito uma categoria intermediária parece surgir. Um indie com muito espaço. Vivendo do Ócio, Bulgarins, Vespas Mandarinas O Terno, Black Joint Chalks Black Pantera, Francisco El Hombre Nadando nas brechas e usando pequeno espaço pra gritar como gigantes.



Fazendo essas reflexões políticas. Bandas que chegam num patamar que conseguem viver para, pela e por contra a cultura com novas possibilidades de rock mais notch. Que nunca mais vão chegar naquele mesmo patamar de fama que até o começo dos anos 2000 era possível e que se sobressaem pela mistura pelo som que se permite sair da trava do rock e adicionar raízes latinas, regionalismos, cenas locais som único do sul, da Bahia, do celeiro do rock goiano e assim vai.


E sabe outro lugar que dentro do mainstream também conseguiu esse espaço de reflexão e autenticidade e que o rockista mais velho vai ficar puto agora? No emo core. É, no emo.


Emocore


Enquanto essas coisas bizarras aconteciam no underground fruto também do hardcore o emo core começava a acontecer.


A inclinação política direta é absorvida pelo emo, mas de uma maneira diferente com foco nas questões pessoais e existenciais em primeiro lugar.


Emos carregam a atitude dos corpos indóceis que os punks tinham, mas eles vão além. Começam a tocar em pontos, por exemplo de questionar sua sexualidade, pensar em como eram impostas essas sexualidades e como deveria haver um espaço de acolhimento pra outros tipos de identidade dentro do rock que não se sentiam mais representadas.


Esse emo, que uma hora vai ganhar um episódio só pra ele, vai se tornando esse espaço de aceitação que utiliza desse hardcore melódico pra refletir sobre si. Falar, por exemplo, da própria homofobia que muitas vezes permeava dentro do próprio rock. Esse hardcore melódico emo que bebia do rock estrangeiro, fazia também letras em português.


Manos como Gloria, Dance of Days, Hateen, Sugar Cane, CPM 22 e a Fresno acendem nesse momento a fama e são alçados a ela muito rápido, via televisão, por algumas reportagens que acabaram estereotipando muito o estilo sem levar em conta de que essa galera tava na cena do hardcore há muitos anos antes de bombar.




A explosão do emo ali nos 2005, 2010, compreendia uma faixa de jovens dos 12 até os 22, 25, 30 anos se reunindo por aí e incomodando pela estética que apresentavam. O rock, mais uma vez, agia igual o carrasco que um dia ele impôs a guilhotina.


Homofobia pura, homofobia purinha. É só isso que explica toda a violência que tinha contra o emo. Não tinha nada a ver com qualidade musical. Tinha a ver com preconceito.


E a politização dentro da subcultura emo é muito interessante porque é uma resposta a isso de modo indireto, de modo depressivo, de modo emo. Mas se você olhar bem, a política tava ali acontecendo. Os temas de injustiça social, os temas de dores diante da sociedade estavam ali gritando. E não sou só eu que diz isso não. Dá uma olhada nessa fala aqui:


Eu, por exemplo, comecei a fazer muita música letras com letras mais pessoais, porque eu queria falar só sobre política, política, política. E aquela coisa panfletária, porque eu ouvi cólera, ratos, né, DZK e Ação Direta que é a banda antiga do nosso baterista e aí quando eu comecei a falar de coisas mais pessoais eu falei, pô, eu tô me arriscando aqui a pegar mal com a rapaziada.


Além deles, acho que vale citar rapidamente o caso da Fresno uma banda que surgiu no underground passou por todas as etapas de tocar em lugares vazios, assinou com um grande produtor, virou do mainstream, entendeu a cena passou por esse dilema do sucesso e hoje, numa espécie de fase de retorno do emo, por causa da nostalgia, vem produzindo um som vocalmente politizado, abertamente com reflexões a respeito da justiça social, das políticas e assim por diante e todos esses temas que precisavam ficar escondidos por causa da homofobia passam a aparecer muito mais na cara mas se você olhar bem a fundo mesmo ninguém via, e talvez nem a própria Fresno, que a coisa já tava ali há muito mais tempo do que imaginava era só uma politização do comportamento devido à vigília de costumes sobre os emos.



Eu nunca vi o emo como uma estética de postura politizada. Ah, mas musicalmente não mas isso também não quer dizer nada, né porque no som não ter alguma coisa que tu fale diretamente sobre o que está acontecendo grande parte das posturas que tu vai tomar na vida e que teu trabalho vai te obrigar a passar por isso tu pode mostrar muito bem onde tu se coloca, e no caso do emo por um lado, foi extremamente politizado porque protagonizou uma mudança comportamental muito grande, foi um dos primeiros choques fortes de geração porque os jovens estavam vivendo uma coisa muito diferente fora do controle dos pais, que sempre foi isso, só que era na rua, era na esquina de casa, e com internet, muita gente se encontrou e encontrou iguais, e foi por isso que formou uma tribo, e essa tribo permitiu com que muito jovem achasse ok ser gay, tá ligado, com que muita mina achasse ok e achasse com muita mina achasse ok se pá eu sou um cara, se pá eu não sou nada se pá eu tô muito confuso, e essas músicas aqui falam sobre estar muito confuso e nesses últimos 10 anos também foi quando se foi virando necessário que se entendesse qual era a postura de cada um, porque as vezes tinha uma galera de direita aí escondida em uma banda ou outra, mas também tinha maluco nazista tem nazi no emo? com certeza mano, com certeza olha.


Eu realmente quero fazer um episódio só sobre o emo brasileiro mas pra isso, precisa ter o Lucão participando e agora a gente vai fazer o papel de fã clube, você vai sim, encher o saco do Lucas nas redes e marcar que eu quero fazer um vídeo com ele. Que daí a gente ganha um episódio só sobre o assunto, tá bom?


Então o que acontece, meus amigos e minhas amigas, é que quando o rock continua trocando com o underground flertando com novas misturas dando voz e amplificando dores sociais ele continua e continuará vivo, em qualquer espectro político.


Quando o rock no entanto, entra pra uma história de se apegar a uma coisa técnica, com fórmulas do passado com panteões intocáveis e tudo mais, é tudo síndrome de esgotamento, vai morrer instantaneamente. Então o rock fica vivo e morto ao mesmo tempo ou o que Mark Fisher vai colocar que quando isso acontece, a vida social e a vida das pessoas aceleram e a cultura se torna lenta.


Não consegue acompanhar esse processo e fica presa em repetir rituais a exaustão, mesmo que eles não tenham mais nenhum sentido e função tipo Toca Raul ou Cover do Bon Jovi. Então o rock que é um cadáver, é esse rock conservador, zumbi, que clama por hierarquia musical, pureza musical, ou que fica preso nas bandas que já foram, Sucim morreu olha só, hierarquia, pureza ódio ao passado isso não tem nada de antissistema. Isso não tem nada de rebeldia.


Quando o rockeiro se apropria disso pra reproduzir, justificar o seu lugar conservador, o que ele tá fazendo é distorcer, aquela mesma ladainha de que hoje não se faz mais música boa como antigamente. O que também impede inclusive a crítica real que deve existir pela apropriação da indústria e que tem destruído muitas bandas, artistas e estilos. É possível fazer uma crítica à indústria sem cair em reacionarismo e burrice.


E tá tudo bem também, o Ramones, o Guns N' Roses, mas assim sabem, tem coisa que presta e coisa que não presta, em todos os estilos, em todos os tempos em todas as escolas, seja na indústria seja no underground e aí quem fica preso ao passado no final das contas mesmo, é só triste, sabe por quê? porque cultura é o que é sempre muito bom de somar, cultura é sempre positivo de se aprender e quem se comporta assim, acaba perdendo. E agora quem tá falando isso é um adolescente que perdeu um bom tempo nessa besteira de ser sommelier de emoção musical.


Alguém que em algum momento acreditou que existia a pureza do rock e a hora que ainda adolescente eu consegui olhar pros meus e perceber esse movimento patético, eu larguei mão dessas besteiras, e eu passei a perceber a música como um pertencimento maior e que eu perderia muito não conhecendo as coisas por aí, tem tanta gente fazendo tanta coisa em tanto estilo por que não ir atrás, por que não consumir culturas diferentes, por que não aprender com a mistura, com o somatório com o outro, com a diferenciação.


Isso é o que faz o rock não morrer nunca, agora, se você quiser se manter assim, beleza você é mesmo livre, ninguém vai fazer o que você quiser, mas saiba que a liberdade de ser escroto, é a liberdade de crítica das pessoas apontarem que você está sendo escroto e saiba também que não existe vácuo na política, se você quer escolher ser um rebelde sem causa com rebeldia vazia, com rebeldia performance, saiba que você está prontinho pra ser cooptado pro próximo que te convencer no próximo som.


Sempre houve resistência sempre houve mainstream, e você deveria consumir as duas coisas loucamente de modo crítico, compreendendo que o mundo mudou, e que pra força do rock and roll acontecer, não tem jeito precisamos fazer o rock da medo de novo. Tipo o que aconteceu algumas semanas atrás, quando um nazi tentou provocar os punks, e aí...



De qualquer modo, todos esses episódios vão mostrando que o rock foi saindo do mainstream, e entrando pro lugar onde ele sempre esteve. A resistência, o underground lá na cidadezinha, no bairro, na periferia na vontade de um menino ou de uma menina, que querem fazer o barulho do rock, a questão de classe entrando por aqui, enfim, chegamos nesse ponto, vamos então falar dessas duas coisas, a resistência do rock e o underground, e como ela acontece na classe de roqueiros BR o rock BR, o tal do capítulo 4 e 5 dessa série.


É amanhã? não é amanhã, é mês que vem? não sei, talvez seja mês que vem aqui, o trabalho é artesanal, e eu espero que você entenda isso, e valorize esse processo, as coisas demoram mais, porque não são feitas com uma máquina de chat gpt, que deixa as coisas prontas então, enquanto isso, vai assistindo os outros vídeos do canal, se puder, financia com qualquer valor, porque é isso que nos permite acelerar os nossos processos os nossos trabalhos, soltar mais vídeos saiba que isso faz muito a diferença, nós somos aquela bandinha pequena, passando chapéu depois do show consuma-nos, se consuma é nós, nos vemos já


Eu dediquei a minha vida a essa causa cara, e enquanto não tiver coisa pra todo mundo, uma coisa legal pra todo mundo para mim eu não quero nada para mim eu não quero nada, como dizem os velhos zapatistas os velhos índios zapatistas para mim nada, para nós tudo


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Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa.


Normose - Como combater o Rock Conservador:Heróis do Punk ou Traidores do Movimento? (feat.Antídoto) ep3



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