top of page

Redução da jornada de trabalho: coisa de VAGABUNDO?

  • Antologia Crítica
  • 11 de ago. de 2024
  • 17 min de leitura

Atualizado: 23 de ago. de 2024


Faz um tempinho aí que eu fiz um texto sobre a diminuição da jornada de trabalho lá no Reino Unido. E pra minha surpresa, apareceu uma chuva de gente odiando a ideia. Loucura, comunista é preguiçoso, não tem como fazer isso aí no Brasil.


E principalmente, coisa de vagabundo. Sério que as pessoas gostam tanto assim de trabalhar em excesso? Elas pareciam ignorar que a pesquisa que eu postei mostrava que 92% das pessoas adoraram o modelo. E olha, eu acho que o Reino Unido tá bem longe de ser uma comuna do proletariado inglês.


Mas vivemos numa sociedade onde somos treinados pra não conseguir enxergar um mundo diferente. Isso era sintoma dos nossos tempos. Ou seja, tinha um fator ideológico na frente dos olhos das pessoas, tipo uma venda.


Então eu decidi olhar pros dados pra entender a história da redução da jornada de trabalho. O que é claro, me levou a uma viagem pela história da luta dos trabalhadores no mundo e questões que eu não esperava encontrar. Fica então a pergunta, num país que trabalha cada vez mais, ganhando cada vez menos, como o Brasil, será que realmente faz sentido sonhar com menos trabalho, ou eu tô sendo muito vagabundo?


Redução da jornada do trabalho em prol da vida


Opa, tudo suave por aí? Hoje vamos conversar de algo que faz parte da vida da maioria dos seres humanos que vivem nesse planeta na condição de adultos.


Trabalho. Ou melhor dizendo, não trabalho. Hoje vamos falar sobre a redução do trabalho em prol da vida.


Será que essa ideia é realmente possível num país tão pobre como o nosso? Então antes de começar, eu preciso te lembrar que no final das contas esse episódio é o meu trabalho. E se você gostar, você pode nos apoiar com pix, assinar nosso cartaz ou ouvir sem pular o nosso momento paga as contas. Beleza, então anota aí no coração.


A luta pela redução da jornada de trabalho é tão antiga quanto o próprio capitalismo. Isso porque a rotina de trabalho no capitalismo ocupa a estrutura central da vida de um trabalhador. Só pra você ter noção, a média de vida do brasileiro é 77 anos.


Se tirarmos os primeiros 18 sem trabalhar, sobram 59. Desses, 28 serão de trabalho ininterrupto. Bizarro, né? Nunca tinha feito essa conta? Assusta.



Pois então, precisamos dar um passo atrás pra melhorar nossa análise. Falar de filosofia do trabalho e da história da luta dos trabalhadores e seus direitos. Isso porque existe em nossos tempos uma ideia silenciosa de trabalho logo exista.


Ou seja, aquilo que estudamos, nossa contribuição pro mundo, aquilo que somos, passa pela determinação daquilo que nós trabalhamos. Porém, esse trabalho é sempre dividido em duas partes. Um tempo, que é socialmente necessário pra garantir a nossa subsistência, e o excedente.


O trabalhador sempre produzirá mercadorias num tempo além do que é a sua remuneração. Assim, resumindo e simplificando bastante, essa é a visão desse carinha aqui, Karl Marx. O tão temido barbudo teórico do capital e suas formas de combate no século XIX.


Assim, sempre houve o mais trabalho, mas ele se potencializou e virou mola propulsora do sistema e do capitalismo. Mas é claro, isso não é exclusividade desse sistema, pois em toda sociedade que houver um monopólio da produção e tenha um trabalhador explorado, seja livre ou não, haverá uma luta de cabo de guerra de interesses entre as duas classes. Logo, a redução da jornada de trabalho é quase uma resposta imediata dos trabalhadores contra aqueles que fazem grana em cima do seu bem maior.


Sua força de trabalho? Não, seu tempo de vida. Mas o trabalho não dignifica o homem? Não foi Marx que disse isso? Não, esse é Marx, Max Weber, que escreve a ética protestante e o espírito do capitalismo. Para os calvinistas, por exemplo, abre aspas, o trabalho profissional deve formar uma muralha contra a preguiça, e quem não trabalha, não deve comer, porque o trabalho é um dever.


Na visão de Calvino, o trabalho é um sinal de graça de Deus. Ele abandona a ideia tradicional do cristianismo, do trabalho como fonte do pecado original, e traz a ideia de que o trabalho pode libertar o homem do sofrimento e se tornar agradável a Deus. E a partir desse momento, o trabalho deixaria o seu significado original e passaria por um valor de emancipação, o que é a estrutura maior até hoje para a defesa do liberalismo.


A ideia de que, através do trabalho individual, todo mundo será salvo, cabeça vazia, oficina do diabo. A religião protestante constituiu, assim, a grande âncora do capitalismo, é a base do capitalismo via religião, e o ócio, assim como a preguiça, não seria desejado por Deus, e que o trabalho constituiria, assim, a própria finalidade da vida. E esse seria o espírito do capitalismo, e por isso o rico, por exemplo, é um abençoado divino.


Acho que dá pra entender porque esse velho barbudo aqui é tão temido, apesar de pouquíssimo lido, pelos patrões e amantes do dinheiro. Olha, pra evitar gatilhos, que eu sei que tem gente que vai fechar um vídeo se eu ficar falando sobre isso, vamos falar de um outro autor que tratou disso a partir daquilo que todo mundo tem e esconde. A preguiça.


O ócio, que é condenado por essa ética protestante, não some, só vai pra debaixo do tapete. Mas todos temos preguiça, e é com essa premissa que o Direito da Preguiça, um ensaio de Paul Lafargue, escrito em 1880, traz uma discussão dentro da ideia de reduzir a jornada de trabalho. Lafargue acusa o trabalho de ser a causa da degeneração intelectual dos trabalhadores, bem como sua deformação do caráter orgânico.


O amor ao trabalho, o autor descreve como aberração mental. Isso porque, pra ele, existe muito mais do que a vida do trabalho. Existe amor, família, arte, e padres, economistas, moralistas, santificam o trabalho pra manter a engrenagem do sistema rodando.


O trabalho, visto desse modo, representaria, para Paul Lafargue, a negação do tempo livre aos operários, e desenvolveria uma estranha loucura, que coloca produtividade acima da própria vida. É preciso permitir a preguiça. Não adianta um coach de colete chique, todo almofadado, dizer que ama acordar às 5 da manhã pra tomar suco de lichia e ler relatórios financeiros.


Ele ama te vender cursos sobre como ele ama fazer isso, e como sua vida se tornará perfeita apenas quando agir igual a ele. Ninguém que acorda às 5 da manhã pra pegar dois busão lotado pra atravessar a cidade e ganhar um salário mínimo, ama acordar às 5 da manhã. Só ama o trabalho quem vive de explorar o trabalho alheio.


Sim, porque se parar pra pensar, é como Lafargue diz em seu texto, apesar da ideologia do capital fazer culto ao trabalho, quem tá no topo da ideologia é justamente o que não trabalha. Provando então que trabalho não é boa coisa alguma. Trabalhamos pra deixar de trabalhar.


A preguiça, então, é um direito do trabalhador. E segundo o texto, apenas pressionando e formando a luta pela redução da jornada de trabalho, é que o cidadão conseguiria, enfim, viver. Alfineta por Lafargue.


"Trabalhem, trabalhem, trabalhem, proletários, pra aumentar a fortuna social e vossas misérias individuais. Trabalhem, trabalhem, para que, tornando-vos mais pobres, tenham mais razão pra trabalhar e serem mais ainda miseráveis. Eis a lei inexorável da produção capitalista."


Mas tá bom, você vai me dizer que não quer a versão de Lafargue porque ele era da família de Marx, porque ele foi casado com a Laura e blá blá blá blá, tá bom. Então vamos falar de Bertrand Russell em O Elogio ao Ócio, publicado em 1935. Russell critica o que chama de crença na virtude do trabalho, que seria o responsável causador dos malefícios vivenciados pela humanidade.


Para ele, existiriam dois tipos de trabalho. O primeiro é executado por aqueles que efetivamente trabalham, e em segundo, o trabalho que consiste em mandar os outros trabalharem pra você. Os segundos, obviamente, são os que defendem o modelo de mais trabalho dos primeiros.


Lá em 1935, já era possível vislumbrar, inclusive, que não era mais necessário trabalhar tantas horas de trabalho, porque nós já tínhamos tecnologia suficiente pra sobrar mais tempo dedicado ao lazer do trabalhador. Russell propõe que a jornada de trabalho ficasse restrita, veja só, a 4 horas, em 1935. Desse modo, a produção aumentaria, porque os indivíduos teriam capacidade de satisfazer necessidades fundamentais pro bem-estar e, com isso, teriam mais capacidade de trabalhar.


Assim, as pessoas teriam mais tempo pro seu desenvolvimento pessoal, pra sua educação, pra diversas habilidades, como pintura, como artes, como a sua própria família, alcançando assim o que ele chama de alegria de viver da humanidade, que é tão sugada pelo desgaste físico e emocional, mental, do trabalho, onde 99% gastará mais tempo da vida trabalhando do que vivendo.



Mas o quê? Você não quer nenhum desses autores pra nossa base, porque não bate com a sua ideologia. Então se apegue a um tal Cristo, que pregou num tal Sermão da Montanha, que tá numa tal Bíblia.


"Contemplai o crescimento dos lírios nos campos. Eles não trabalham, nem fiam. Salomão, em toda sua glória, não se vestiu com tanto brilho como dos lírios."


Cristo esse, que, segundo a tradição, seria filho daquele que criou o universo todo em três dias e depois descansou pro resto da eternidade. Até o Deus da Bíblia tem ócio e preguiça, e você não vai ter? Os antigos gregos livres cantavam, poetizavam, teorizavam, eram matemáticos, pais da filosofia, e quem trabalhava mesmo eram os escravos. Hoje nos definimos pelo nosso trabalho.


E eu poderia ficar o vídeo inteiro citando exemplos históricos pra mostrar que, talvez, se a gente trabalhasse menos, paradoxalmente, a gente trabalharia mais.


"Ah, que bonitinho, né, Mel? Mas quem é que vai pagar essa conta? O sistema precisa girar, a máquina precisa pagar as contas porque não existe almoço grátis."


Bom, realmente, nunca existiu sequer um momento da história que a bondade mágica surgiu do coração do grande mercado, foi só com a luta dos trabalhadores, em especial com o catismo e o ludismo, que, por exemplo, se conquistou a lei Fabril de 1847, uma lei que reduzia a 10 horas diária a jornada de trabalho de jovem entre 13 e 18 anos.


Porque eu não sei se você parou pra pensar, mas todos esses autores que a gente tá falando até aqui estavam escrevendo sobre uma sociedade que trabalhava 18 horas forçada desde os 8 anos de idade. Havia crianças trabalhando até 20 horas por dia. E as primeiras leis pra diminuir essa jornada são justamente resultantes dos movimentos da classe trabalhadora de países como a Inglaterra e a Alemanha.


É também por causa da luta trabalhadora que temos feriado agora, dia 1º de maio, na força, na pressão, no suor e no sangue, a que direitos são conquistados. E foi assim, inclusive, que na primeira convenção da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, que foram conquistadas as 8 horas diárias de trabalho, ou 48 horas semanais. Algum tempo depois, essa mesma convenção diminuiu o número pra 40 horas por semana.



Só que é lógico, né? É muito mais fácil falar de trabalhar menos pra Dinamarca, pra Noruega, pra países que vendem cerveja até 2030, enquanto vendem petróleo pra todo o resto do mundo, ou pra Inglaterra e pra França, que exploraram outros países pros séculos. Aí qualquer um faz, né? Se você tá pensando isso, bom, você tá um pouco certo. São realidades diferentes.


Jornada de trabalho no Brasil


Então vamos olhar pro Brasil e o que aconteceu na luta pelo trabalho até aqui? Vivemos aquilo que é denominado industrialização tardia, um período caracterizado pelo alongamento e a intensificação da jornada de trabalho até o máximo, que passou de 2.700 horas anuais pra 3.600 horas, continuando a aplicar os resquícios da ideologia escravista que acabaram na lei, mas que continuava na cultura e visava controlar e garantir o disciplinamento da mão de obra numa espécie de superexploração dentro da lei.


Essa industrialização, impulsionada pelo governo brasileiro, a partir da política de migração de mão de obra estrangeira pra substituir os escravos, trouxe imigrantes e trabalhadores, mas acima de tudo, operários. Uma massa jovem e operariada que vinha de Itália, Espanha, Portugal, regiões periféricas da Europa, onde o anarquismo, por meio da Associação Internacional dos Trabalhadores e da Aliança dos Socialistas Revolucionários, uma organização anarquista europeia, dominava e agitava as lutas do campo e do operário, organizando anarco-sindicalistas e socialistas por onde passavam.


E diante do contexto de Brasil pós-escravidão, é que se uniram esses trabalhadores e se desenharam as primeiras greves e mobilizações no mesmo momento que nasce uma burguesia e uma elite brasileira florescendo nos primeiros anos da república. Tivemos, por exemplo, a grande greve de 1º de maio de 1907, quando 150 mil operários pararam pela redução da jornada de trabalho para 8 horas. Talvez seja coincidência que, nesse momento, o Congresso aprovou a Lei Adolfo Gordo, que legalizava a expulsão sumária do país de imigrantes flagrados em manifestações políticas.


Aparentemente não adiantou muito, porque há greves em 1910 em Minas, 1912 em São Paulo, 1917, por exemplo, teve comitê de greve proposto por anarquistas, a morte do sapateiro espanhol José Martinez pelas mãos da polícia e a prisão de comunistas e anarquistas por parte do presidente do estado de São Paulo, Altino Arantes, e a grande greve de 12 de julho, que parou todas as fábricas, comércios e transportes e conquistou o aumento de 20% de salário para a classe trabalhadora, direito de associação em coletivos e sindicatos e a não demissão dos trabalhadores. Foi com isso também que, em julho de 1917, o deputado carioca Maurício Lacerda apresentou um projeto de lei chamado Código do Trabalho, que estabeleceria uma jornada de oito horas para os trabalhadores, que deveria inclusive cumprir com a diminuição do trabalho da mulher para seis horas. De qualquer modo, esse projeto de lei não foi para frente, por forte oposição dos patrões na cama.


Falando nisso, em 1919, funda-se o Partido Comunista Anarquista no Rio de Janeiro. Em 1922, é fundado o PCB, Partido Comunista Brasileiro, e a CGT, a Confederação Geral dos Trabalhadores. E, a despeito da identificação inicial entre anarquistas e comunistas, as divergências logo começaram a se aguçar.



Mas esse não é um assunto para o vídeo de hoje. Se segura na cadeira aí e foco. Até a década de 30, poucas mudanças foram implementadas porque todas as conquistas dos operários eram rapidamente destruídas pelos patrões.


Mas com toda a aliança feita para eleger vagas no poder, não dava mais para impedir a regulação da jornada pleiteada há tanto tempo pelos trabalhadores. Então não houve nada de extraordinário. A consolidação das leis do trabalho, a nossa CLT, simplesmente reuniu, de maneira organizada, todas as leis que já tinham sido conquistadas ou pleiteadas ao longo dessas décadas.


Jornada de 8 horas, Ministério do Trabalho, férias, 13º, que logo descambaram para perseguição aos trabalhadores e colocar militantes na ilegalidade, no período mais ditatorial do governo vagas. O que gerou a intentona comunista revolucionária contra vagas e tal, mas isso não é o assunto do vídeo de hoje. Então, foco.


Durante a ditadura militar, obviamente, controle total dos sindicatos, que forçou o florescimento das oposições sindicais, que eram órgãos independentes dos trabalhadores e que não tinham a ditadura infiltrada nas direções sindicais. Foram essas células independentes que acirraram a luta de classe durante os 60 e 70, o que gerou, na década de 80, as conhecidas greves do ABC e a fundação da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, em 1983 e, claro, a greve de 85, pela redução da jornada de trabalho, com o protagonismo do setor metalúrgico do ABC, que teve papel central no enfraquecimento da ditadura e que emergiu de vez a figura de trabalhador desse carinha aqui, um tal de Luiz Inácio, conhece?



Dali pra frente, no entanto, trevas. A década de 90 foi marcada por mudanças a nível macro e microeconômico, influenciadas pelo consenso de Washington, que fundavam os pilares do tal neoliberalismo, que colocava na conta do sucateamento do trabalhador, das privatizações e da peida de direitos as saídas pra crise desse sistema.


Mesmo na eleição do primeiro presidente trabalhador da história, um tal de Luiz Inácio, conhece? Houve sim avanço inegável do acesso das classes mais baixas a bens de consumo e a diminuição da fome, mas o governo precisou, pra ser eleito, fazer acordos de continuismo de mercado e acabou estabelecendo reformas liberais, seguindo princípios de economia social-democrata. A crise de 2015 e o golpe impeachment que colocou Michel Temer no poder, trouxe consigo a reforma trabalhista, que destruiu o pouco avanço que a organização trabalhadora tinha até ali. Ataque a sindicatos, ao direito trabalhista, à jornada de trabalho, aos direitos como um todo, que são sempre os direitos primeiros a serem retirados quando esse povo aí chega no poder.


E enfim, nunca se trabalhou tanto no mundo e nunca se teve tão pouco dinheiro. Então se esse vídeo tiver muito vermelho pra você, amigo que veste coletinho da XP, sinto muito. Isso é a história de quem lutou pelos direitos trabalhistas, o que eu posso fazer? Mas beleza.


Aparentemente, depois de séculos, percebendo a chegada do fim do trabalho, com a automatização de tudo, algumas empresas começaram a pensar modelos de renda básica universal e tal. E é assim que chegamos no tal projeto de redução da jornada de trabalho pra 4 horas. Mas acho que ficou claro o poder das empresas de reduzir a jornada e melhorar a produtividade dos trabalhadores ao longo das décadas, não é? Então com o avanço tecnológico, principalmente os impulsionados pela pandemia, que conseguiu colocar em xeque, por exemplo, o modelo de trabalho presencial de tantas horas e abrir o espaço para novas discussões, é que a gente começa a olhar para os modelos do Reino Unido, da Islândia, da Austrália, a partir do projeto 4-Day Week e sua parceria com as universidades de Cambridge, de Oxford e do Boston College, nos Estados Unidos.



A ideia era, então, segundo o site oficial do programa, as empresas passaram a testar semanas de trabalho com apenas 4 dias úteis e 3 de descanso, mantendo todos os salários e benefícios nos modos de antes. É 100% de salário, com 80% do tempo, em troca do compromisso de manter 100% da produtividade. Vários setores participam do projeto, financeiro, varejo, marketing, alimento, serviços e também várias regiões diferentes do mundo, Estados Unidos, Irlanda, Islândia, Nova Zelândia, África do Sul e toda essa polêmica que se tornou com os resultados divulgados sobre o Reino Unido.


Por lá, 92% das empresas vão manter o trabalho mais curto. E adivinhe, como as metas continuaram as mesmas e as pessoas precisaram recondicionar os seus dias, menos tempo aumentou a produtividade. Pelo menos 50% das empresas relatam isso.


Mesmo com um dia a menos, dia esta de folga, numa quarta-feira ou em um fim de semana de três dias, é mais importante que um aumento de salário para a grande parte dos entrevistados. Parte esmagadora dos entrevistados disse que não voltaria a trabalhar cinco dias por semana, mesmo com ganho salarial. Mas é claro, há diferenças entre as áreas.


Trabalhadores prestadores de serviços usaram seu tempo livre com exercícios físicos, enquanto aqueles que estavam no setor de construção ou de indústria tiveram redução no burnout e passaram a investir no tempo com a família. Enfim, cada classe e sua particularidade. Por exemplo, a diferença é muito sensível no campo do gênero, embora homens e mulheres se beneficiaram da semana de quatro dias, a experiência das mulheres foi ainda melhor.


Elas apresentaram mais evolução na redução do burnout, na satisfação com a vida e com o trabalho, na melhora da saúde mental e na redução do seu tempo de deslocamento para o trabalho. Até porque 60% das pessoas relataram que conseguiram equilibrar mais o trabalho com as responsabilidades em casa, cuidar dos filhos, ter um próprio hobby. E é interessante que no Reino Unido, nenhuma das empresas participantes disseram que estavam planejando retornar à rotina de cinco dias.


As pessoas relatam que persiste uma sensação de que deveriam estar fazendo mais, mesmo batendo o meto, entregando tudo, o medo persistia, como se houvesse algo cultural, um condicionamento para sempre fazer mais, temendo perder o emprego. Louco, né? E você quer um dado ainda mais objetivo? 57% das pessoas ficaram menos doentes, porque é óbvio, é uma questão biológica. Obviamente e infelizmente, está na contramão do que tem feito a jornada de trabalho brasileira, o alto desemprego e o sucateamento sobrecarrega todos nós, gerando um paradoxo em que o empregado se vê obrigado a aceitar condições ruins de trabalho por medo do desemprego, mas não consegue se manter no emprego porque está muito cansado.


E aí faz jornadas de 44, 48, 50, 54 horas o necessário para sobreviver. No Brasil, as poucas empresas que passaram a adotar esse formato das 32 horas semanais, também estão registrando melhoria de eficiência e até aumento na receita. Então é claro que a redução da jornada de trabalho só traria benefícios se a empresa não diminuísse o salário e impusesse condições adequadas de trabalho aos empregados para que não gerasse necessidade de usar o tempo livre para fazer bico e o descanso nunca chegar.


Então o veredito é, uma semana de trabalho de 4 dias é boa para os negócios, aumenta a produtividade, faz bem para o trabalhador, é muito lindo, mas... E sempre tem um mas. Você nota que todos os autores que a gente citou precisam argumentar sempre no sentido de falar de produtividade. Não importa a melhora de saúde mental, não importa a felicidade, não importa nada.


Se manteve a produtividade, então vamos conversar. Se não, não. Como vimos no começo do vídeo, a ideologia do trabalho está incrustada na nossa pele.


Desde pequenos somos ensinados a ligar nossa identidade ao trabalho. Ou você nunca parou para pensar que desde criancinha somos estimulados logo no primeiro desenho a responder o que você vai ser quando crescer. O sonho estimulado a uma criança é o sonho de ser alguém que produz.


Fofo, né? Não. Aqui, na verdade, está o mais sensível dessa discussão. Produtividade não deveria ser o centro de tudo.


A vida importa mais que a produção. Você pode trabalhar o quanto for, você não é seu trabalho, você não precisa ser seu trabalho. Eu mesmo estou falando isso de um lugar privilegiado e fico num constante exercício de compreender que eu amo esse canal, eu amo o meu trabalho, produzir e me comunicar em vídeo é um sonho desde adolescente e aí mora uma armadilha.


Como eu sou sucateado aqui na plataforma, meu chefe é algoritmo e tal, e eu acabo trabalhando 24 horas deixando a vida de lado porque... eu amo, né? Claro que eu amo. Mas eu amo mais ainda poder ter a minha saúde em dia, sem o medo de não fechar minhas contas. E poder curtir a vida, né? E a mesma coisa vale para qualquer trabalho.


O valor da vida está além da produção, está além do fabril, está além do dinheiro. Para essas coisas funcionarem, a gente deveria estar discutindo o modelo de sociedade que queremos ter daqui pra frente. Quais são as prioridades para uma vida para além do lucro? E quais são as formas de viabilizar esse mundo sem repetir ou performar as formas do passado? Não é que burnout entrou na moda, como dizem uns e outros.


Não é moda. É subemprego. Terceirização.


Medo de perder o pouco ruim que já tem. Ansiedade. Pressa.


Só aprendemos a dar um nome em inglês para um sentimento de geral. Não é à toa que o sintoma do momento é desgotamento. Vivemos uma sociedade que não descansa, que culpa o cansado pelo seu desempenho fracassado.


Ao invés de olhar e questionar um sistema ou a sociedade, vive-se numa angústia eterna de não estar fazendo tudo que poderia ser feito. É uma alienação de si mesmo. Neoliberalismo na veia, acreditando que o esforço individual é tudo o que precisamos para ser vencedores.


Você não está com medo do amanhã por um acaso. As causas são estruturais, mercadológicas, políticas. Você não está esgotado ao primeiro acaso.


O nome disso é sucateamento. Política. Intencional.


Mercado. Aí você poderia me dizer. Pois é, mas nesse tipo de jornada de trabalho sucateada é completamente inviável pensar em lazer mesmo.


E eu tenho que concordar. Você está certo. Vivemos numa sociedade que não permite lazer para a maioria de nós.


Inverte os valores. Somos forçados a consumismo, individualismo, imediatismo. Correr para poder sobreviver.


Milhões de nós vivem antes dessa coisa de pensar em lucrar. A gente está falando aqui de situação análoga à escravidão. A jornada e ampliação do tempo livre é urgente.


Mas pode somente ser viabilizada de forma a beneficiar todos os trabalhadores. Do contrário, o custo sempre recairá sob os mais fragilizados. De qualquer modo, oportunidades como essa dos 4 dias são excelentes para mostrar como coisas cristalizadas na nossa sociedade.


Como o trabalho de segunda a sexta-feira, só porque sim, podem ser falhas. Até os dias da semana, para trabalhar, podem estar errados. Quem dirá todo o resto? Nossa organização social precisa e pode ser reimaginada.


Isso é só uma faísca na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos possam dedicar o seu tempo livre para a vida, para a cultura, para o esporte, para a música, para a arte, para não fazer literalmente nada. Então sim, lute pelo seu direito de ser preguiçoso, lute pelo direito ao ócio, pelo direito ao conhecimento, pelo conhecimento, pelo lazer não produtivo, pelo rolezinho. Mas não sob ótica individual, mas por uma sociedade que garanta que essa conquista venha socialmente.


A vida tem que ser mais do que trabalho. É preciso se construir para além do capital, para que daí sim, vivamos numa sociedade guiada pelo lema, trabalhar menos, para trabalhar em todos, produzir o necessário, redistribuir tudo. Se gostou desse vídeo, não deixe de assistir esses outros que estão aqui, o nosso chefe algoritmo nos beneficia por isso, ou nos ajude no financiamento coletivo, ou nos ajude como você puder.


Espero que tenha curtido, é nóis, e falou!

Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa.




bottom of page