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Estética Cyberpunk: O Futuro Destruído e o Capitalismo de Vigilância

  • Antologia Crítica
  • 27 de ago. de 2024
  • 10 min de leitura

Vamos fazer um exercício de visualização. Imagine uma sociedade em decadência, inovações ultra tecnológicas que mais parecem mágica, o tempo acelerado, um tom deprimente, e uma falta de sentido para a vida, enquanto intermináveis sequências de propaganda nos bombardeiam a todo momento. Nessa sociedade, a realidade virtual e o ciberespaço já são uma verdade. A vida já está completamente tomada por megacorporações multinacionais, milícias paramilitares, e um pessimismo que permeia todos os lados.


Talvez agora você se pergunte: "Exercício de imaginação? Você não está falando da atualidade?" Não, esse é o passado futurista do Cyberpunk, que parece cada vez mais próximo de nós. É a luta contra um inimigo que não se pode derrotar. E aí, suavão, tranquilão? Todo mundo já ouviu falar em Cyberpunk, ainda mais agora com o lançamento do jogo Cyberpunk 2077. Mas o que é Cyberpunk, afinal? Um movimento literário? Um gênero de filme? Um tipo de ficção científica? Ou uma forma de arte que pode nos dizer muito sobre nós, a sociedade, e o futuro?


O Que é Cyberpunk?

Numa explicação simplista, poderíamos dizer que Cyberpunk é um ambiente escuro, com chuva ofuscando infinitos letreiros neon que se perdem em uma cidade suja e verticalizada. Mas o que há por trás da estética Cyberpunk, ou daquilo que você enxerga, é um gênero de arte e filosofia complexo, um movimento cultural que mudou todas as bases do mundo em que vivemos hoje.


Este artigo, no entanto, não é só sobre o jogo Cyberpunk 2077, mas sobre o universo que o inspirou, onde ele está inserido, e quais são suas maiores referências — e como elas alteram tanto o jogo quanto a nossa realidade e vida em sociedade. Ainda não tive tempo de jogar o jogo que saiu ontem, mas quem sabe se esse post explodir em likes e views, eu faça outro focado nisso. Então já faz a sua parte clicando no like, se inscrevendo no canal, ativando o sininho e compartilhando no final.


A Distopia que Vivemos


Vivemos em um mundo repleto de produções de ficção científica distópicas, e em 2020 é fácil entender por que esses temas são tão populares. Todo mundo sente que, a cada dia que passa, estamos mais próximos daquele futuro que vimos quando éramos crianças: carros voadores, casas automáticas, drones que matam pessoas à distância, e cada vez mais indústrias monopolistas dominando nossas vidas pelas redes.


Agora vamos dar um passo atrás. Todo mundo já ouviu aquele clichê de que é importante estudar o passado para não repetir os erros no futuro, certo? Por muito tempo, a história tradicional sempre partiu do ponto de vista que, para iluminar o presente, é preciso ser crítico sobre o passado. Agora, inverta isso.

Com o movimento Cyberpunk, o foco ainda é iluminar o presente, mas a partir de críticas sobre o futuro. "Ué, como assim, se o futuro não existe?" Aí é que nasce a magia do Cyberpunk. A coisa nasceu assim.


As Origens do Cyberpunk

Nos anos de 1950 e 60, num cenário pós-Segunda Guerra Mundial e de grande avanço científico causado pela corrida espacial, dois caminhos se desenharam. De um lado, um período de muita estética de positividade e crença de que o mundo ia dar certo. O amor livre, Woodstock, o New Age e a cultura da psicodelia experimental prometiam um futuro promissor para os jovens, e isso era refletido nos filmes, músicas e produtos culturais da época.


O retrofuturismo se mostrou como o principal expoente estético dessa utopia científica, mesclando designs modernos e arredondados com plantas e elementos naturais. E uma das primeiras imagens que conhecemos de como o Cyberpunk foi criado vem do quadrinista francês Jean Giraud, conhecido mundialmente como Moebius. Ainda nos anos 70, Moebius já escrevia histórias criminais noir, ficções científicas com estética urbana futurista recheada de detalhes neon, com arquitetura imperial e ultra verticalizada, lotada de pessoas meio robôs, meio humanas, e alienígenas bizarros.



Do outro lado, além do New Age que se desenhava como um todo, o avanço da Guerra Fria e as narrativas culturais que mantinham à frente a ideia de colonização eram vigentes. Sejam países, planetas, universos — o "outro" sempre era um colonizado em narrativas herói contra bandido, onde existe claramente um bem e um mal delimitados. Com o avanço da Guerra Fria, toda essa ideia foi sendo destruída pela realidade do mundo que se impunha, e um corrente de pessimismo começou a nascer no final dos anos 70 e 80.


A Cultura Cyberpunk e Sua Influência


A juventude, que antes era otimista, olhava para o mundo e via a Guerra do Vietnã, Presidente Nixon, o escândalo Watergate, o paranoia e o discurso do medo comunista que bombavam como nos anos 50. O avanço de políticas liberais que geraram crises estrondosas e o grande aumento da criminalidade mostrava o caos do sonho americano, transformando uma geração oitentista muito descrente da política tradicional, desconfiada do futuro, e com uma intensa ojeriza da ideia de autoridade. Mais uma vez, isso começou a interferir nos produtos culturais. Vemos crescer os movimentos do punk de garagem, os góticos industriais, e a música eletrônica.


Sintetizadores e distorções guiaram o movimento obscuro na música e ambientaram esse universo pessimista. Nesse mesmo período, nasciam a computação e a robótica. O imaginário do que viria a ser a internet, a comunicação à distância, e a estética de tecnologias de conectividade, tudo rondava os jovens dessa época.



Aquela estética de mundo colorido pintado pelos anos 60, nos 80 passou a dar espaço a cidades abandonadas, megalópolis desiguais, muita propaganda, letreiros gigantes e o conflito entre aqueles que têm e os que não têm, cada vez mais dominados por grandes corporações que geravam dramas psicológicos cada vez mais ferrenhos e complexos. Nesse contexto, Ridley Scott adapta o livro de 1968, "Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?" para o clássico Blade Runner. Pronto, a tríade inicial e poderosa do Cyberpunk estava formada.


High Tech, Low Life: A Essência do Cyberpunk

O mundo Cyberpunk tem uma definição fundamental clichê de construção: high tech, low life ou alta tecnologia, vida miserável. Aquela ideia de herói contra bandido agora é subvertida para anti-herói contra sistema, que no caso já foi colonizado pelas grandes corporações. Cyberpunk é uma sociedade onde o conhecimento e a ciência já estão completamente em nossas vidas diárias. As pessoas já foram completamente reduzidas a meros dados e commodities em potencial de consumo, como em Ghost in the Shell ou Akira, dois outros clássicos do Cyberpunk lançados no Japão no início dos anos 90.


Aliás, o Japão está muito presente no imaginário Cyberpunk. Elementos americanos se misturam com cartazes japoneses, propagandas e power tecnologias desses dois países, comuns ao imaginário do que é high tech até os dias de hoje. Ainda assim, nas megalópolis não há mais distâncias territoriais.

Povos se misturam entre cidades lotadas, etnias, cores e credos se aglomeram, mas não se engane: as relações sociais, financeiras e de classe continuam massacrando mais do que nunca. A cidade Cyberpunk é um amontoado entre realidade e simulação. Escuridão contrasta com as formas neon numa mistura entre barroco e futurismo. É melancólico, claustrofóbico, vertical, e praticamente infinito. Mais ou menos como a gente se sente nas redes sociais.


A Distopia já Chegou?


As obras Cyberpunk ou estão à beira de uma distopia, ou dentro de uma distopia, ou num mundo pós-distópico onde tudo já foi, e o que resta é resistir e lutar. O grande ponto aqui é que o Cyberpunk escancara como, apesar do avanço da tecnologia no mundo, não só não foi possível acabar com o caos e a pobreza, com a guerra e as desigualdades, como, de fato, foi isso que gerou ainda mais desigualdades e pobreza num mundo destruído pela guerra e doença comandado pelas grandes corporações. Mas, cheios de letreiros de propaganda, consumo e marketing, que piscam e brilham, porque LED, neon e ironia, curam desigualdade na crítica Cyberpunk.


A estrutura do poder econômico e político no Cyberpunk é espelhada no paradigma clássico da ficção científica, com uma diferença: o Estado já foi completamente comprado e diminuído perante as megacorporações, essas sim, as verdadeiras donas do pedaço.


Capitalismo de Vigilância


Nas histórias Cyberpunk, o capitalismo de disciplina evoluiu para o ultracapitalismo de vigilância e totalmente monopolista. É possível criar mundos paralelos, robôs capazes de sentir emoções e emular humanos para trabalhar para o exército ou para o bem da comunidade, destruir e mapear grupos revoltosos por meio da própria tecnologia. Mesmo com tanta complexidade, alguns elementos se mantêm: o cenário continua dividido entre centro e periferia, e os grupos sociais continuam explorados em grupos de interesse, onde aqueles que mantêm o status quo pisam sobre os excluídos e invisíveis do sistema.


Os protagonistas das histórias de Cyberpunk normalmente são socialmente excluídos, ou socialmente marginalizados, e a maior parte deles é meio humano e meio androide, e, em geral, mostra-se pouca possibilidade de fugir da tecnologia nesse mundo. Um dilema tenso no Cyberpunk é que se vive a dominação total das corporações, e muitas vezes os protagonistas trabalham para o próprio sistema, e mesmo que não concordem totalmente com os métodos que lhes são impostos, também não querem perder seus empregos e suas formas de viver. Por isso, a forma de mudar o sistema nas histórias de Cyberpunk costuma ser por dentro da máquina.


O Paradoxo do Cyberpunk


O mundo está tão acelerado que não há mais tempo de absorver a quantidade de informação suficiente e, por isso, impera um ultra individualismo. Cada sujeito é personalizado à sua maneira, e se vê obrigado a ignorar as consequências do mundo à sua volta, porque as decisões éticas e morais que temos para tomar na vida cotidiana de um mundo Cyberpunk estão entre o ruim e o pior ainda, e o mundo parece ter perdido a dicotomia entre esperança e medo — é um pega pra capar geral. Apesar disso, parece ainda haver uma resistência da vitória humana em relação à máquina, justamente em função dos nossos erros e da imprevisibilidade das atitudes humanas em relação às máquinas.

Seres perfeitos demais pecam nas emoções, como bem mostra Blade Runner. Os resistentes nas obras Cyberpunk costumam assim ser organizações entre ciberativistas, hackers, piratas e guerrilheiros da ficção. E há uma questão central filosófica a se discutir: a questão da identidade, da existência, e o fim da memória privada. O computador, seja hardware ou software, é sempre uma metáfora para a memória humana — não há mais privacidade nesse mundo, apenas memórias coletivas.


Perguntas como o dilema de Teseu aparecem muito nas histórias Cyberpunk: você é seu corpo ou um amontoado de memórias e ligações afetivas? Por exemplo, se trocássemos um membro como seu braço ou sua perna por um mecânico, ainda seria você? É óbvio que sim, certo? E se trocássemos todo seu corpo, preservando seu cérebro, ainda seria você? E se transferíssemos suas memórias para um HD, ainda seria você? Quem somos nós de fato?


Reflexões Finais


Essas são algumas reflexões possíveis a partir de Ghost in the Shell, uma história escrita em 1989. Assustador, não? Nas histórias Cyberpunk, sempre somos confrontados por seres de inteligências diversas convivendo conosco, sejam aliens, androides, ou computadores, o que nos faz questionar o que nos torna humanos e o que nos diferencia das máquinas.


Muitas vezes o Cyberpunk é encarado como um gênero pessimista, o que, para mim, é uma visão bastante rasa e errônea do gênero. O que o Cyberpunk faz é, através do caos, inspirar as pessoas a construírem novos mundos.


O impulso de uma utopia não pode ser apenas coloridinho e positivo, ele precisa vir de um impulso negativo, de um desejo de desamparo, ou seja, que identifique o problema para que ele possa ser combatido no presente. Longe de ser feliz, edílico e sonhar com um mundo perfeito, as utopias distópicas do Cyberpunk apresentam as causas raiz do problema da sociedade de hoje ou do presente em que ele é escrito. Por isso, elementos da vivência tecnológica do mundo de hoje parecem refletir nas obras do passado, ou seja, é como se a ficção científica, de algum modo, agisse como um lado imaginativo da ciência atual.


E assim, o Cyberpunk navega num paradoxo, um futuro atemporal e ambíguo, por vezes nostálgico e ultratecnológico, por vezes combativo e antitecnológico. Inclusive, os críticos do Cyberpunk colocam essa dualidade complicada na mesa. Ao mesmo tempo que há uma sátira ao ultracapitalismo, à mídia, aos sistemas de comunicação em geral, o meio utilizado para fazer isso é justamente o meio de comunicação pra divulgar as obras, ou seja, um produto que critica os usos da tecnologia pela sociedade, ao mesmo tempo que utiliza as estratégias da mídia pra se promover. Isso pode ser visto como um problema ou como um hack; o Cyberpunk usa a tecnologia como arma contra ela mesma, e tenta reduzir o controle do monopólio e os efeitos da indústria de mídia, tentando reestabelecer o conhecimento, a transparência e a sabedoria sobre o presente onde o leitor está inserido.


Olhando para o mundo de hoje, o Cyberpunk não me parece nada pessimista, mas realista e com tom quase profético. Alguns autores apontam para um tal de "post-cyberpunk," onde os herdeiros do cenário distópico e da escuridão do Cyberpunk podem praticar a reconstrução, onde a destruição das cidades cyberpunks dá espaço a utopias de reconstrução.


Timothy Leary, o escritor ícone dos anos 60, advogava pelo Cyberpunk como um piloto da realidade, como um guia de análise do mundo, o Cyberpunk como uma atitude em relação ao mundo de hoje e à sociedade da ultra-informação e das falsas redes sociais. Como afirma o sociólogo Stuart Hall, o Cyberpunk pode ser uma das últimas formas de imaginar um novo futuro, porque ele já foi precursor da cybercultura, já criou hackers, crackers, zippers, cypherpunks, ravers e, mesmo passados mais de 40 anos do movimento literário, sua estética de fusão entre homem e máquina está mais em alta do que nunca. Tem influência no vaporwave, no lo-fi e na vida.



O Cyberpunk na Cultura Popular


É claro, vale lembrar que, com a intensa moda e popularização dos temas e elementos do Cyberpunk, muitos vão querer pegar carona no estilo, se tornando um clichê de si próprios. É preciso estar atento, pois o gênero foi absorvido pelo senso comum. O que antes eram propagandas invasivas, hoje fazem parte da beleza e da estética Cyberpunk. Não é à toa que Cyberpunk 2077 está fazendo sucesso; foram investidos quase 200 milhões de dólares para o jogo, sendo metade apenas com marketing, atores famosos e criação de grupos de identidade e afeto. Com propaganda, transformamos um cenário distópico em hype de consumo e desejo.

E pior, nem temos aqueles vilões de megacorporações malvadões imaginados pela estética dos anos 80. A distopia já chegou com um bando de megacorporações quadradas, limpinhas, de sapatênis, que se vendem como cools, azuis, bonitinhas, boas mocinhas. Você já deve imaginar de quem estou falando. Por isso, o movimento Cyberpunk precisa ser mais do que um jeito de pensar — um jeito de agir, não como uma bíblia ou um dogma, mas uma postura em relação ao mundo.


A Resistência é a Chave


Devemos defender um mundo onde haja livre circulação, mas privacidade, ciberativismo, software livre, onde o campo de batalha não seja corporal, mas mental. Quem tem o domínio dos dados domina as chaves do poder. As megacorporações mandam mais do que meros governos, estamos nos tornando ciborgues voluntariamente e a nossa única saída é através da arte, de pequenas comunidades, da criação de leitura e estudo, de resistir ao domínio dessa distopia e reconstruir um outro mundo, uma outra cybercultura, uma outra alternativa.


O Cyberpunk não morreu, ele está mais vivo do que nunca. Tão vivo que agora ele é parte do real — você já vive em uma distopia, seja muito bem-vindo. E é por isso que precisamos falar de estética, comunicação e, a partir de agora, essa é a nova temporada do Normose. 2021: um outro mundo vem aí.

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Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa. Normose - Estética CYBERPUNK: o FUTURO destruído e o Capitalismo de vigilância!


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