Estado Laico: A História da Separação entre Religião e Poder
- Antologia Crítica
- 28 de ago. de 2024
- 10 min de leitura
A condenação Dele por um tribunal democrático legalmente constituído é um dos episódios mais marcantes da história da humanidade, do conflito entre a liberdade de pensamento e o culto às crenças. Outrora querido por multidões, ele foi culpado de corromper a juventude e depois toda a sociedade. Levado a julgamento público, a acusação final foi de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo povo, e mesmo sem prova alguma o castigo foi pedido.
Pena de morte, gritava o povo, persiga essa gente, jogue coisa neles, pau neles, principalmente o que ofende aos deuses, e se é vontade dos deuses que morra o acusado em nome de meleto ou acusador. Por mexer com aqueles que detinham o poder na sociedade e propor um pensamento de autoconhecimento e amor, e apontar sem piedade as hipocrisias e falsos fundamentos da sociedade, ele foi condenado e morreu em 339 a.C. Sócrates, um dos maiores filósofos da história antiga, e segundo algumas fontes históricas, a sociedade viveu grande arrependimento nos anos seguintes, e depois que Sócrates partiu, foram punidos seus acusadores, principalmente Meleto, autodeclarado no julgamento homem de bem e patriota, e depois provado charlatão e sofista. O julgamento de Sócrates também é parecido com outro julgamento sobre liberdade e crença 339 anos depois disso, e que segundo consta, levou o homem a cruz por defender a liberdade de todos.
O debate entre limite e direito dos religiosos e não religiosos e os poderes políticos sempre existiu, e o que vamos ver ao longo da história é um só fato, quando damos poderes divinos aos homens, eles podem matar em nome de um deus, que pode não ser o seu, e não tem como reclamar porque foi Deus quem quis.
E aí, suave, tranquilo, o Brasil é um estado laico graças a deuses. No vídeo de hoje, vamos falar sobre o estado laico, sua origem, sua história, e entender de uma vez por todas a importância da laicidade, principalmente para os religiosos. Sim, então já deixa o seu like e sua inscrição, não deixe de ver todos os argumentos do vídeo até o final, em nome do Senhor Cristo, Oxalá Krishna, Virgem Maria, ou na falta deles também.
O que é Estado Laico?
Você já deve ter ouvido falar de laico e secular, que é quando se separa política de religião. Tá, mas isso é simples demais, de onde isso surgiu? Laico vem do substantivo grego laos, significando povo ou multidão de pessoa, e nesse tipo de estado busca-se a neutralidade do governante frente às correntes religiosas e também das crenças perante ao Estado.
Ou seja, o laico não é o governo querendo acabar com a religião, o governo doutrinando para uma nova religião, e também não é o mesmo que ateísmo, pelo contrário, laico é a busca pelo equilíbrio entre a liberdade do povo de exercer qualquer crença ou não exercer nenhuma, e a do Estado em ser neutro frente aos grupos religiosos. Então, pela lógica prática, o Estado laico serve para evitar que uma só crença possa se impor autoritariamente aos demais elementos da sociedade. Parece justo, não?
Aí você me pergunta, tá ok, mas como é possível tantos países com milhões de pessoas religiosas concordarem com isso? A resposta é simples, essas pessoas perceberam que enquanto sociedade compartilhamos o ato de ter religiões, mas não cremos no mesmo Deus, e entre os próprios religiões há muitos desacordos e diferenças, uns falam de Bíblia, outros de Corão, outros de Torá, outros de extraterrestres, uns são católicos, outros evangélicos, uns creem no Velho, outros no Novo Testamento, e tem ainda aqueles que se mantém na crença de não crer em nada divino e fora desse plano.
Agora, qual de nós está correto? Todos dirão eu, eu estou certo, meu Deus é o correto, seu Deus é o errado, errou, errou feio, errou feio, errou rude. Todos depois disso farão extensas argumentações baseadas na mesma evidência, textos antigos, considerados sagrados cuja interpretação varia de acordo com cada um. Nunca poderemos dizer que há só um correto, mesmo porque, olha o perigo, se a gente assumir que um dos deuses está correto, suas verdades deviam se tornar a rei, correto? E aí, veja o problemão surgir, imagina se o presidente de uma religião diferente da sua te obriga a fazer algo que você não gosta, você iria curtir? Com certeza não, iria reagir e é por isso que começam as guerras.
Pouca gente percebe isso de primeira, no entanto, porque quando falamos de estado laico, cada um se imagina sempre na posição de poder, ou seja, sua religião ou falta de religião sendo a dona do poder, mas e se outros religiosos assumissem o poder, crendo em outro deus, você obedeceria a eles porque são ordens de deus? Então, como privilegiar as crenças de alguém religioso em cima de outra pessoa que também é religiosa?
Essa questão profunda foi levada a séculos na nossa história e tivemos que aprender com muito derramamento de sangue que a disputa por um só deus ou pela ausência de deus gera muito mais caos do que paz. E pra isso, vamos falar de história.
Por milhares de anos, a disputa entre símbolo religioso e símbolo político aproximava as duas coisas num símbolo só. Assim, quando os imperadores, faraós e todos os líderes antigos se proclamavam como representantes da missão de deus na terra, todos os limites se diluíam. Nas guerras, por exemplo, pode-se justificar os massacres como benefícios mandados por deus. Em contrapartida, um tal Jesus de Nazaré como conta uma das crenças se posicionou rigorosamente favorável à separação de fé em instituições políticas.
Pregava a Cristo em Mateus 22. "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Pra ele, os cidadãos devem cumprir deveres perante o Estado, que deve conceder direito ao culto.
O que aconteceu com este homem depois disso todo mundo sabe. Depois de sua morte, os primeiros séculos do cristianismo foram de muita perseguição. Ser cristão era proibido pelo Império Romano e cristãos eram perseguidos porque se recusavam adorar os deuses romanos e homenagear o imperador.
Foi só no século IV que Constantino aliou-se politicamente ao cristianismo a partir Édito de Milão. E o que começou como um movimento religioso dentro do judaísmo com Jesus Cristo, tornou-se então religião oficial do Império Romano.
A partir do século V, a influência da religião era tão forte que as decisões muitas vezes se confundiam com as figuras dos chefes de Estado e do líder religioso, e a política não acontecia sem aprovação da Santa Igreja.
Reis eram tomados com poderes divinos, e como podemos ver nos livros Reis Taumaturgos de Marc Bloch, durante os séculos XI e XII, a figura do rei era curativa, tinha poderes mágicos. A ideia do rei como enviado de Deus volta a ganhar força. Com a expansão do poder do cristianismo, a igreja católica passou a liderar o poder político e criar uma perseguição contra quem não concordasse com ela.
Esse período ficou conhecido como Inquisição. Milhares de pessoas foram torturadas por praticarem atos chamados de heresia, bruxaria ou simplesmente por serem praticantes de outra religião que não o catolicismo. Heresia é aquele que professa uma fé contra a fé católica, e merece, portanto, ser perseguido nessa lógica.
A partir das reformas protestantes, a guerra ficou ainda mais feia, quando Martim Lutero e João Calvino, além de tantos outros, passaram a protestar o excesso de poder da igreja nas políticas do Estado. Naquela época, o Papa, além de ser chefe da igreja, tinha um cargo superior aos chefes do Estado. A igreja lançou, assim, a Contrarreforma, se posicionando absolutamente fechada ao laicismo e à separação de igreja e Estado, e temendo perder seu poder.
Gerou uma série de guerras na França e Inglaterra, que foram as chamadas Guerras dos 30 anos e 80 anos. Enfim, a paz nunca chegou naquele período, porque cada um, movido na certeza de estar agindo em nome do seu Deus, que era o correto, não alcançava um fim na guerra. A paz só foi conquistada mediante uma série de acordos, pois percebendo que aquilo não teria fim, passou a ser mais lógico que, independente da fé de cada um, cada reino tivesse liberdade para professar os seus cultos da maneira que bem entendesse.
Entre os acordos, vale os destaques para a chamada Paz de Augsburgo e a Paz de Westfalia, em 1555 e 1648, respectivamente, que propuseram, finalmente, a separação de fé e instituições políticas, fundando o começo daquilo que viria a ser chamado de laico alguns séculos depois. Depois das reformas, o absolutismo se intensificou. Com o poder da igreja em baixa, estamos no auge de Luís XIV na França, período na qual o rei se autodenominou Rei Sol e dizia o Estado sou eu.
Os protestos pela liberdade de fé e o fim do absolutismo ganharam forma de novo a partir de uma classe em efervescência, a burguesia. Na Europa e nas suas colônias, burgueses passaram a ler autores como Locke, Voltaire, Rousseau, Kant, e como a liberdade só seria conquistada pela separação de Estado e igreja. Não deu outra.
A partir da Revolução Francesa e também da Revolução Americana, as instituições finalmente são separadas. O poder não emanava mais de um só Deus Todo-Poderoso, mas sim do povo. O rei absoluto pede força e, como o povo muda, a moral do povo de cada século também tem que mudar. Isso é o chamado secularismo.
Secularismo
As leis são escritas e atualizadas pelos vivos e pelos mortais, e, por isso, basta ser vivo para ser secularista. Você pode ser um cristão secularista, um muçulmano laico secularista ou até um ateu secularista.
A fé ou falta de fé de cada um só se manifesta livre quando a fé ou falta de fé do outro também é livre. Depois, a partir dos 1900, tivemos experiências de Estados ateus, que também não deram nada certo. Além da prática ilegal da religiosidade, países como União Soviética, China, Albânia, Coreia Popular do Norte acabaram cometendo alguns excessos humanos e, óbvio, a religiosidade ainda assim não desapareceu.
Pessoas passaram a cultuar escondidas, ou cultuar os próprios líderes humanos com poderes divinos. Atualmente, podemos lembrar o triste e longo caso de Israel e Palestina, que estão há décadas e mais décadas brigando ao redor de Deus, e a política de Estado-nação-religião de um justifica a opressão do outro. Viemos desde lá de Sócrates, passando por Cristo das Cruzadas e a Revolução para entender.
Dar poderes divinos a humanos não é uma boa, e por mais terrível que esteja o mundo de hoje, acredite, ainda é o menor número de guerras e mortes no mundo que tivemos. Pode piorar muito. E olha que a coisa é muito, muito terrível.
Mas sejamos claros, nós sempre vivemos séculos de guerras e perseguições religiosas, porque haviam pessoas convencidas de que eles sim eram os corretos que tinham a resposta certeira para salvar a humanidade através de Deus ou da falta dele. Devemos fazer o bem sem olhar a quem, diria o sábio ditado da vovozinha, que basicamente resume o imperativo categórico de Kant. Uma ação é positiva se ela é positiva em si mesmo e ponto.
Não importa se ela é religiosa ou não. Você não deve fazer o bem por medo de um ser supremo, mas deve fazer o bem como se cada ação sua fosse transformada em lei universal a partir daquele momento. É com isso em mãos que os indivíduos em posse de sua liberdade de consciência podem professar-se crentes, agnósticos, ateus ou até mesmo ignorantes em relação a tudo isso.
Brasil e o Estado Laico
"O Estado é laico. Mas é laico mesmo. Mas essa ministra aqui é terrivelmente cristã."
Antes dos portugueses, diversos grupos indígenas tinham cosmovisões diferentes do mundo cristão. A partir de 1500, vem no pacote a cosmovisão católica. Os jesuítas trazem aquela visão da contrarreforma que combate os princípios da pluralidade religiosa e aqui não caía muito bem algo que não o catolicismo.
Monarquia e cristandade sempre foram parceiras no país. E não é à toa que Dom Pedro é declarado rei Dom Pedro Imperador pela Ordem Divina. É só com a instauração da República que a pluralidade religiosa aparece.
O Brasil torna-se um Estado laico com o decreto de 1890 de autoria de Rui Barbosa. O que não muda o fato da nação ter continuado esmagadoramente católica e perseguindo outras religiões. Isso não muda, claro, do dia para a noite.
Então, até mais ou menos 1930, religiões de matriz africana como Candomblé e Umbanda e aquelas protestantes evangélicos que vieram com alemães e ingleses a partir da abertura dos portos sofreram muito para existir. Portanto, esses grupos que nasceram escondidos e lutando pela sobrevivência poderiam pegar essa herança para serem os primeiros a defender liberdade religiosa. Um deles, porém, cada dia mais predomina na política nacional.
E a tal herança dos protestantes da Reforma foi esquecida porque aquela herança dessa pluralidade agora é usada como forma de conseguir cargos políticos. Mesmo que a nossa Constituição atual proíba isso claramente. No artigo 19 e no artigo 5 já é previsto a separação de Estado e religião.
E alguns podem até dizer que a nossa Constituição abre sobre as proteções de Deus. Mas esse trecho do preâmbulo não tem efeito normativo, ou seja, não tem força de lei. E é só a parte política da legislação.
É Ulisses Guimarães colocando o seu ponto na Constituição. Mas o que vale como lei mesmo é que o laico serve para proteger minorias religiosas de serem perseguidas. Muitos brasileiros reclamam, por exemplo, que cristãos estão sendo assassinados pelo mundo.
O que eles não te contam é que os assassinatos dos cristãos estão acontecendo justamente em Estados teocráticos, como Irã, Iraque, Afeganistão, Arábia Saudita, Mauritânia e Paquistão. Os antigos ateísmos de Estado que falei no começo do vídeo também foram abandonados. Em resumo, essa é a formação da nossa diversidade religiosa.
Apesar da violência colonizadora cristã, o sincretismo perdurou nas misturas, a espiritualidade ancestral resistiu e a nossa tarefa daqui pra frente é buscar sínteses e encontros, universais e comunhão nos desencontros. Olhe para o seu país. O Brasil é cristão e é Pai Oxalá.
É Tupã, é Krishna, Buda, Chico Xavier, Olho Essencial, Rípio, Pastor da Esquina e também milhões de ateus e suas não-crenças. E isso, acredite, é muito positivo. Não se trata aqui de ignorar a violência na formação religiosa do país ou pregar uma diversidade despolitizada, mas saber que numa sociedade de cada vez mais bolhas e tipos diferentes de vida, o laico será o melhor antigo da fragmentação da sociedade, o escudo para uma violência que não é nada animadora.
É impossível ignorar, por exemplo, que no ano passado (2019) aumentou em quase 60% o número de crimes de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana. O que você acha de tudo isso? Quero ouvir você nos comentários. Já sofreu ou presenciou a perseguição religiosa ou por falta de religião? Bora trocar essa ideia nos comentários.
2020 não é mais tempo de colocar a moral individual e religiosa para decidir pautas públicas e políticas. Esse é um assunto urgente porque cada dia mais estamos próximos de adentrar a nova era, a Teocracia Brasil, o plano de poder, o templo universal. Então, no próximo vídeo, eu vou falar do plano de poder e a ascensão dos neopentecostais dentro da política e como eles se posicionaram para eleger presidentes.
Treta a nível supremo. Mas devo lembrá-los que esse vídeo e também os próximos, não tem nada a ver com a fé individual de cada um, mas sobre os problemas das instituições lideradas por seres humanos. Portanto, falhos.
Então, se você puder, já deixa o seu like nesse vídeo, ativa o sininho para ser notificado dos próximos vídeos, e se puder, passa no financiamento coletivo do Catarse, assina esse canal, sabendo que todo valor faz diferença nesse trabalho. Fica suave, fica tranquilo, na paz de Deus, dos deuses, ou de nenhum deles, e falows!
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