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A arte do Dinheiro: como enganam e vendem suas emoções! - IA, Bitcoin, e Estética do Dinheiro

  • Antologia Crítica
  • 10 de ago. de 2024
  • 19 min de leitura

Aqui vai uma charada, o que é o que é? Muda pessoas, move nações, transforma personalidades e leva as sociedades inteiras ao delírio. E com certeza você já correu muito atrás dele. O amor? O sexo? As guerras? Não.


O nome disso é dinheiro. Amor é outra coisa. Ah, o dinheiro, talvez um dos principais temas da humanidade.


Não temos como fugir. Nascer custa, comer custa, viver custa, esse vídeo custa, cada segundo da sua existência é precificado. Até pra morrer deixamos dívidas numa última despedida na terra do dinheiro.



E aí? Suave, tá rico? Estamos aqui, mais uma vez, reunidos pra falar de estética, dinheiro e ficção. Um combinado social delirante, porque é ele quem manda e nós só obedecemos. Mamon, o deus dinheiro, representa o terceiro pecado, a ganância, a avareza, o anticristo, o devorador de alma, um dos sete príncipes do inferno e... calma, a gente não pode começar o vídeo já viajando tanto.


Pra poder chegar na financeirização do mundo, nos dias de hoje, e na destruição que NFTs, criptomoedas e inteligência artificial estão ocasionando com a humanização do dinheiro, chegou a hora de falar de estética do dinheiro, construção dos desejos e como a arte é usada nesse negócio. Bom vídeo pra você, fica até o final porque deu muito trabalho pra preparar esse episódio e é aquilo, né? Tempo é dinheiro, então esperamos que use o seu da melhor maneira e boa viagem. O dinheiro é, infelizmente, um elemento definidor dos grandes rumos da história do mundo.


É aquele que faz funcionar uma sociedade e se faz medida da pirâmide de hierarquias que regula as classes e a mantém em determinado funcionamento. Hoje nosso episódio vai começar a partir da primeira moeda moderna, ou pelo menos aquela que parece com as nossas, a redondinha de metal.



Estamos na Lídia, entre os anos de 640 e 630 a.C, onde hoje é a região da Turquia, e vivemos aquela que é chamada a Primeira Revolução Monetária.


Na Lídia, a moeda era chamada estátua, e era reconhecida por seu peso, diversidade e figuras impressas, ou um emblema de quem emitiu a moeda, ou uma cabeça de leão.



E como é a Lídia que emitia o dinheiro, ela coincidentemente ou não ficou muito rica, e dali nasceram os primeiros comércios, lojas e, é claro, os bordéis, porque tão antigo quanto o dinheiro é o sádico poder de comprar outros corpos com esse dinheiro. Outra coisa muito antiga também é o imposto.


Em Atenas, Grécia, 575 a.C, por exemplo, o governo já cobrava taxas pela circulação, pelo lucro e pela cunhagem do dinheiro, o dracno, uma moeda conhecida pela carinha de coruja que era feita em sua maioria por nobres ou comerciantes para facilitar suas trocas e que deixava seu pedacinho para o governo.



Então, com Alexandre o Grande, o dinheiro ganha outro valor ainda mais complexo, propaganda. Pensa comigo, já que aquilo ia rodar por todo o império e até onde constam os estudos históricos, não havia instagram e tiktok nessa época, por que não colocar a sua carinha na moeda? Os imperadores romanos, durante todo o império, imprimiam seus rostos em moedas tanto quanto faziam estátuas de si.


Dali pra frente, líderes do mundo todo usarão do dinheiro como maneira de comunicar quem ou quais valores estão no poder da nação, e a melhor maneira de afirmar seu poder do que imprimir sua fuça numa moeda, a arte moeda era uma combinação que viralizava. Com a queda do império romano, ali pelos anos de 400 d.C., a moeda também caiu em desuso. Como não havia um governo centralizado para garantir a emissão das moedas, como o comércio internacional estava enfraquecido com o fim do império, não houve novas cunhagens de moeda por muito tempo.


Quando adentramos aquilo que convencionamos chamar de idade média, ali pelos anos de 500 até 1300, temos um tempo marcado ainda mais por revoltas e ainda mais guerras, além é claro da diminuição demográfica causada por doenças, explosão da fome, da cólera, e isso gerou um rombo no cofre dos reis também. E o dinheiro como moeda física continuou sendo deixado de lado até o século XIII, quando aí sim passamos a viver aquilo que foi chamado de ressurgimento do dinheiro. O cenário de destruição desembocava na necessidade de reconstruir as cidades, e as novas cidades precisavam de dinheiro para construir praças, fortes, muralhas, hospitais e até a igreja, que até aquele período condenava a usura, ou a cobrança de juros e lucro em cima de um produto, mas até ela percebe que precisaria do din-din para financiar suas luxuosas catedrais que garantiriam o poder.


A solução para atender essa crescente demanda foi a cobrança de novos impostos apenas dos mais pobres, acentuando a desigualdade social. E com isso, também cresceu muito nesse período os pequenos comerciantes, os donos das companhias de ofício, que nasceriam da lei pra frente como uma nova classe social nascida da mudança do dinheiro, a burguesia. Num primeiro momento, esses comerciantes ainda eram ligados ao valor moral cristão do dinheiro e à usura, e como a cobrança e o empréstimo eram considerado pecado, as corporações de ofício estipulavam o chamado justo preço, combatia lucros abusivos e coisa e tal.


Com o tempo, porém, esses antigos usurários passam a acumular cada vez mais dinheiro, e mesmo mal vistos pela igreja, fundam suas primeiras companhias de crédito e tornam-se os primeiros banqueiros da história. A mentalidade religiosa, então, entrava em crise, e esse conservadorismo da igreja desempenhava um papel determinante no período, pois afinal quem dava as cartas na idade média também era a igreja católica, e se ela condenasse o dinheiro, ferrou. Diante dessas circunstâncias, a necessidade de dinheiro era inevitável, e a igreja já não conseguia fugir do debate.


E passa, a partir do século XV, a tolerar o empréstimo a juros com certos limites. Talvez eles tenham trocado uma ideia com Deus no zap e ele aprovou as contas com restrições, vai saber, sei lá. Mas o fato é que o dinheiro passa a ter um caráter ambíguo nesse momento, ele é necessário pra subsistência, mas é ele quem mantém o luxo, que se antes era condenável, agora passa a ser desejável, inclusive pela própria cristandade.


Por isso, não à toa e nem por um acaso, Max Weber escreve A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, pra datar esse novo comportamento moral à frente do dinheiro. Com essa nova religião surgindo, o cristianismo ficava em xeque, uma ideia de que através do dinheiro viria a salvação, e que o trabalho e a riqueza são formas de se recompensar e chegar próximo de Deus. Então o Espírito do Capitalismo também é uma ética, um modo de agir, mas o título do livro teria soado um pouco sem graça se tivesse chamado A Ética do Capitalismo, porque já sabemos aqui, a estética do discurso importa muito na venda do seu livro.


Tá aí a semente da ideia atual da economia capitalista. Um período que nem à toa e nem por um acaso, também gerou grandes transformações pra arte europeia. Os mecenas, da nova burguesia, agora conseguiam financiar artistas pra pintar os seus interesses.


Sim, porque se antes a maioria das obras eram financiadas só pela igreja e serviam como instrumento de adoração religiosa, com o surgimento desses mecenas, os artistas produziam não apenas artes pra homenagear os deuses do céu, mas também pra agradar os poderosos da terra. Com a reforma protestante ganhando força na Europa, a igreja precisava de novas formas de reforçar poder e autoridade. Foi nesse contexto que nasceu, por exemplo, a arte barroca.



O barroco é, ao mesmo tempo, a arte da época da contrarreforma, que era capaz de captar as incoerências e os extremos contrastes da época, mas também era a arte da contrarreforma, arte que as instituições poderosas da época usavam pra defender os seus valores, reafinar os seus poderes. Sendo esse o primeiro grande movimento artístico que surgiu depois que o capitalismo mercantil e as grandes colônias estavam bem estabelecidas. Ele tinha, ao mesmo tempo, uma quantidade de recursos enorme que possibilitava a criação de trabalhos extremamente sofisticados, mas também a contrapartida de agradar os financiadores na realização de suas obras.


Então, ao mesmo tempo que artistas como Caravaggio e Gentilesque conseguiam criar algumas obras críticas que mostravam um lado sombrio da coisa, a maior parte das obras do barroco e do rococó vão servir como forma de ostentação, mostrar o poder da igreja. Olha o que eu posso fazer. Uma forma de arte ainda mais rebuscada, cheia de trilili, que trocando em miúdo significa pura ostentação, cheia de detalhes de ouro e reforços de ícones religiosos e olha pra estética do dinheiro entrando na arte sacra.


Pois é claro, quem domina o dinheiro, domina a estética, quem domina a estética, domina o sensível e quem tem o sensível nas mãos, tem tudo. Essa arte barroca foi financiada pela igreja com o ouro conseguido do trabalho escravo, da sonegação de impostos, e que ornava belamente as catedrais com ouro e madeira maciça, da religião cujo mestre diz no livro sagrado, é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar pelo reino dos céus. Jesus.


Na ideologia capitalista dali pra frente, o dinheiro passa a ser de fato a mola mestra única e determinante. A partir de agora, o dinheiro começa a possibilitar novos horizontes de um mundo totalmente monetizado. Daqui pra frente, o tempo passa a representar o dinheiro.


E por que esses não tinham tempo a perder? As notas de dinheiro só apareceram na Europa e na China e daí pra todo mundo lá pelos anos de 1600, mas mesmo com o dinheiro-papel, grandes nações adotaram até a década de 1970, ou seja, ontem, o padrão ouro. No padrão ouro, era obrigado que cada país mantivesse uma parte de seus ativos em forma de ouro, criando reservas financeiras. Era lastreado pelo ouro, como a gente fala, o dinheiro de um país, fixado em um ativo material que existe de fato.


O modelo foi pensado por David Hume, filósofo e um dos pais do iluminismo, a escola que depois será forte e influente em Kant, que desenvolverá uma das bases modernas da filosofia da estética. Entende como esses campos de estudo estão bem mais interligados do que parece? Com o surgimento das fábricas, surge também a necessidade de controlar o tempo da produção das mercadorias, que no dia a dia, queria dizer o controle social do tempo, regular o trabalho dos operários nas fábricas. Foi assim que surgiu o tempo do relógio.



O relógio marcava o tempo, controlava o trabalhador e esbanjava a arte. Era a arte da relogioaria. E agora a gente vai parar um pouco pra pensar.


Você consegue perceber já na introdução como o valor do dinheiro é social e relativo. Qualquer objeto material pode desempenhar a função de dinheiro desde que assim seja considerado socialmente. Isso porque dinheiro e moeda parecem sinônimos mas não são.


Moeda é qualquer coisa com características garantidas para transações comerciais. Dinheiro é uma moeda formatada e com garantia atestada por uma grande instituição financeira. Então, se qualquer objeto material pode desempenhar a função do dinheiro desde que assim seja aceito socialmente, é necessário olhar pra outro lugar, a semiótica do dinheiro.


Ou seja, sempre no meio dos signos e dos seus significantes que as coisas existem, como se dá a conquista e a sedução do dinheiro na construção dos desejos das pessoas? Calma, vamos de novo que eu sei que vai dar uma complicadinha agora. O dinheiro é uma metáfora, uma coisa que significa outra, certo? Dinheiro não é apenas moeda, cheque, nota, crédito, ouro, pix ou saldo no banco. E o meu ponto é que todas as noções dos sujeitos modernos como trabalho, moral, ganância, inveja, pátria, enfim, tudo passa por como a economia molda os valores.


O dinheiro é uma metáfora material das nossas hierarquias sociais. Por exemplo, pra esse cara babudo aqui, um tal de Karl Marx abre aspas. "O dinheiro é o alcoviteiro entre a necessidade e o objeto, entre a vida e o meio de vida do homem."


Nota rápida, alcoviteiro em outras palavras é proxeneta, proxeneta em outras palavras é cafetão, aquele que procura e administra clientes para uma prostituta, diz Marx. "Mas se por intermédio do dinheiro consigo tudo que o coração humano deseja, não possuo eu todas as capacidades humanas? Meu dinheiro não transforma, portanto, todas as minhas incapacidades no seu contrário? Se o dinheiro é o vínculo que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que me liga a natureza ao homem, não é o dinheiro também o vínculo de todos os vínculos? Não pode atar e desatar todos os laços? Não é ele, por isso, também o meio universal de separação?" Quer dizer, a mentalidade do momento histórico altera a concepção de dinheiro e vice-versa. No momento que tratamos até aqui no vídeo, a ideologia dominante se dava a partir da unificação total, fronteiras delimitadas, estado centralizado, liderado por um rei, uma visão de mundo individualista e controle total da economia, e isso também moldava os tipos de sujeito que era possível ser, as profissões, as ideias, as tecnologias, e isso se estenderá para toda experiência humana.


O dinheiro determina o comportamento social que determina o dinheiro, como um loop. Tudo aquilo que fazemos a partir do dinheiro se justifica pelo seu valor estético ou a sua significação simbólica. Eu poderia passar o vídeo todo citando exemplos para lhe mostrar como o valor do dinheiro é social e relativo, e qualquer objeto material pode desempenhar a função de dinheiro desde que assim seja considerado.


Na cadeia, cigarro e dinheiro de troca. Os desejos se moldam de acordo com as oportunidades. Pense por exemplo que o diamante não tinha nenhum valor antes do marketing, e só aconteceu depois da descoberta de toneladas da joia na África do Sul, a partir de muito sangue, massacres e perseguição.



Era necessário então dar vazão a esse mercado e criar um desejo pelas joias. Os diamantes tinham pouco valor intrínseco, seu preço dependia quase inteiramente da escassez do cristal no mercado. Com isso surgiu a The Beers Consolidated Mines em 1870, que veio se tornar uma das grandes mineradoras de diamantes do mundo até hoje por um motivo.



Ela inventou uma campanha de marketing para convencer que o diamante é raro, por isso é caro. Durante décadas, essa ideia foi cultivada na cultura pop, e o verso diamantes são eternos que virou música, e o slogan diamante é o melhor amigo das mulheres, eternizado na voz de Marilyn Monroe, era um marketing que tornava o diamante o grande ó do borogodó do momento. Mais uma vez, o dinheiro moldou comportamentos.


Sob um olhar estético, o dinheiro é um catalisador de desejos e afetos, no sentido de que não há como não se afetar por ele e não produzir sentimentos a partir disso. O dinheiro possui em si mesmo uma estética particular. Estética, como já tratamos em vários episódios dessa série, é, por definição, o inconsciente do fazer, ou seja, das maneiras de organizar o sensível, os modos de dar a entender, de dar a ver, de construir visibilidade ou tirar a visibilidade.


E o dinheiro, portanto, tanto como o dinheiro em si, tanto como símbolo, regula a construção da realidade que nos inserimos, o império da matéria. No capitalismo, a produção de uma estética própria é fundamental e cumpre dois papéis. Um deles é de educar a sociedade e moldar o mundo.


E o outro é de criar um jogo de esconde-esconde, um esconder pela estética, uma romantização via mercado que abarca tudo o que vê pela frente. Como assim? Bom, hoje a embaixadora global da The Beers é a Lupita Nyong'o. Que né? Agora é 2023, as representações são diferentes, as representatividades têm mercado, os ídolos mudaram, mas a grana ocupa tudo, camarada.



A moeda, fazendo papel de mediador universal no sistema do capitalismo tardio, precisa do marketing. Por isso, a cultura está a serviço do dinheiro. O capitalismo tardio depende de uma lógica cultural para funcionar.


Depende de uma sociedade lotada de imagens voltadas para o consumo, de artes, símbolos e significantes voltados para mais e mais produtos, para alimentar um comportamento. Desse modo, a arma da publicidade, por exemplo, é usar dos interesses estéticos, da arte, da propaganda para reforçar estereótipos nocivos de publicidade de grandes empresas. É inserir no cotidiano o caráter corrosivo do grande capital e acabar com a força da arte.


Na primeira metade do século XX, nos Estados Unidos, a produção em massa de bens de consumo precisava ser exportada. O cinema e a indústria fonográfica eram ótimas maneiras de vender um manual American Way of Life para o mundo, uma dinheirização da vida na cultura. E você sabia que o nosso governo brasileiro já efetivou tratados de comércio com os Estados Unidos trocando café por filme hollywoodiano? Pois é, o acordo vira lata chamado Tratado do Comércio de 1935 trocava filme por café.


Olha que vantajoso, hein? Café por dinheiro? Não. Café por dinheiro. Café por enlatado de propaganda norte-americana.


Não faz sentido, é loucura, mas é o que é, é o poder do mais forte no campo do dinheiro. Por isso, produtos culturais são tanto base de lucro como superestrutura, na medida que eles próprios geram lucro, mas produzem significados e desejos nos sujeitos ao longo do tempo, naquilo que Frederic Jameson vai chamar de cultura do dinheiro, quando os imaginários de mundos são reduzidos a ideias globalizantes de consumo. A cultura do dinheiro? Há um certo esforço na venda ideológica de um sistema inevitável, onde abre aspas periferia e centro mundial se dão as mãos, não se permitindo uma imaginação, abre aspas, futuros possíveis fora do capitalismo.


É daqui também que vem a ideia de realismo capitalista, que emerge a partir desta frase e passa por Zizek, Ballard, Mark Fisher, pelo próprio Jameson e que eu nunca encontro a autoria que é, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Uma ideia de que a nossa percepção da realidade está tão domesticada que não conseguimos mais exercer a imaginação política para enxergar alternativas ao mundo como está, só que agora com um porém mais cruel. Durante quase dois milênios o dinheiro não evoluiu.


Assim, ele variou nas formas que circulava, de acordo com o período e região, mas não houve avanço conceitual, que só aconteceu com a chamada financeirização do dinheiro. Depois da financeirização do dinheiro, vivemos um momento além. A pergunta agora é, e se coisificássemos o próprio dinheiro? E se o dinheiro virasse ele próprio um ativo de desejo através da moeda? Como é que é? Calma, vamos de novo por partes.


Estamos nos anos 70 do século passado, uma década que você sabe que teve muitas transformações políticas, econômicas e sociais, e muita coisa ruim, e entre elas, o aumento do papel dos mercados financeiros e a liberalização financeira, gerando um domínio total do setor financeiro em relação aos demais setores da economia. É o período da financeirização, e o que isso quer dizer? Que o mundo financeiro, de investimentos e de especulação, dominado pela bolsa de valores, passa a tomar espaço na economia e no dia a dia das pessoas. Nesse tipo de capital, há um descolamento entre os problemas reais e o foco total de gerar lucro e maximizar retornos financeiros, custe o que custar, de acordo com David Harvey em A Loucura da Razão Econômica, e isso vem com a mudança da aparência.


Abandonar o padrão ouro simbolicamente era mudar a essência da aparência do dinheiro, que agora ficaria dissimulada no digital, no papel. Se antes, com o padrão ouro, o dinheiro ainda tinha algum resquício de ligação com a pessoa, a mercadoria ou a sociedade e estava lastreado em algum fundo palpável, a partir do período do padrão dólar, Harvey mostra uma contradição incontornável do sistema, permitindo que a circulação de capital financeiro extrapolasse em tudo, sem respeitar as limitações físicas do mundo e a acumulação exacerbada e exponencial de capital, por isso esse sistema toda hora gera crises, é uma incapacidade de recircular o capital de forma eficaz.



Com a financeirização, as pessoas vão se afastando cada vez mais do dinheiro em si mesmo, a economia vai se tornando um grande esquemão financeiro, no mundo do dinheiro digital escalamos a outro nível o valor do dinheiro como símbolo, cada vez mais distante da realidade das pessoas, dos problemas do mundo e cada vez mais próximo da especulação.



Parece natural pra mim e pra você, mas pense um pouco olhando de fora o que é isso, isso literalmente define qual será sua posição social ou os benefícios e prejuízos que você pode ou não ter na sua vida. Depois de 2000 anos, a moeda enquanto objeto material utilizado como mediação virou coisa rara. Aquilo que chamamos de elo entre objeto e comprador se transformou num digital, num virtual, num imaginado daquilo que já era um símbolo imaginado.


Esse impacto do distanciamento do dinheiro pode produzir, pra muitos autores, um descontrole, já que as decisões financeiras já não se importam mais com o mundo real, o nosso presente é caracterizado por essa fusão entre cultura e economia. Isso forma um tal hiper consumidor, e como diria Guy Debord, uma sociedade do espetáculo, onde cada um está preso em consumir a própria identidade. Veja por exemplo, aqui no Youtube, esse vídeo, você já notou que dentro de uma bolha os canais seguem mais ou menos o mesmo número de tempo, de estética, de fórmula? Por que isso acontece? Porque ao contrário do que parece, a forma de monetizar aqui dentro não é livre.


Há um determinismo da plataforma de privilegiar certos tipos de vídeo e certos tipos de metragem e estilo pra certos tipos de nicho. Isso é uma metáfora da vida sobre o capitalismo. Você é livre pra ser o que quiser desde que me consuma exatamente como eu disser.


Nós não percebemos, mas muito do que pensamos passa muito menos pela razão do que por motivos inconscientes como esses. É um consumo frenético das nossas identidades. Designing, edits, jogos, modos, decorações, memes, não importa da tribo que você seja, temos o produto perfeito pra você.


É o que Gilles de Ipovetes que vai chamar de capitalismo artista, onde a estética, a criatividade e o design tem dois objetivos, lucro desenfreado e autopropaganda. Toda hora novas necessidades sendo criadas pra alimentar outras necessidades e assim por diante, num loop infinito de lançamentos inéditos iguais aos do semana passada. É preciso consumir na sociedade do mundo.


Tudo é feito pro choque visual, provocação, escalada da violência, e a cada semana novas ostentações, especulações, metaversos, inteligências artificiais, NFTs ou qualquer outra coisa muito espetacular até a próxima semana. Eu compro, logo existo. Diria Sildo Meirelles, a arte é prostituta.


Ela está onde o dinheiro está. Ideias como essas são intrínsecas no trabalho de Sildo Meirelles, um artista brasileiro incrível que, entre 70 e 75, produziu uma série de trabalhos que imprimiam frases consideradas subversivas em cédulas de dinheiro e garrafas de Coca-Cola, que tem um ótimo nó em inserções em circuitos ideológicos, que começou com a pergunta, quem matou o Herzoc?



E que chama atenção principalmente pelo tal Zero Cruzeiro, quando o artista fabricou o seu próprio dinheiro, ele imprimia gravuras, no tamanho de cédulas verdadeiras, mas com interferências perturbadoras, provocativas. E note bem, dinheiro é isso, circuito ideológico, circuito de ideias, um local de inserir ideologias em nota, tanto que inserir coisas dentro da ideologia nota é crime, ou seria arte.



E essa é a provocação de Sildo Meirelles, zero cruzeiros, emissão ilimitada, sem escassez. Qual deveria ser o seu valor de troca? Zero promessa, zero lastro, zero troca, dinheiro é combinado social, as notas de Sildo Meirelles hoje tem muito mais valor financeiro do que qualquer nota de papel, qual o valor da grana se não o circuito ideológico nela inserido?


Há poucos anos, Sildo renovou sua obra, e agora a pergunta nas notas, quem matou Marielle?



Esta é a Girl with Balloon, uma obra do consagrado artista Banks, que foi vendida por 1 milhão de euros e... Oh não, a obra está se auto destruindo, o que aconteceu?



Banks assumiu a autoria, destruiu a sua obra e passou a chamá-la de O Amor está no Lixo, e adivinhem, a obra triturada foi vendida pouco depois por mais de 25 milhões de dólares. Banks é um autor que tenta revelar o poder social e cultural do dinheiro por meio da arte, mas veja só, sua própria arte tornou-se parte do ciclo econômico do dinheiro, existe uma cota dentro do sistema para ser antissistema, lixo vira luxo, marcas de alta costura vendem roupa estragada por milhares de dólares, é quase um deboche, estética do consumo tem o poder de se apropriar de tudo, até a estética comunista pode virar produto se não for apropriada para seu uso político, pode virar identidade, e identidade se reduziu a consumo, e o consumo é uma espada que corta ao meio todo e qualquer sonho de ideologia.


O capital é uma forma política e econômica contraditória, e eu acho que já deu pra entender um pouco o poder da estética do dinheiro sobre nós, não? E se eu disser agora, vamos mais, vamos deixar mais complexo, e se nós humanizássemos o dinheiro em si mesmo, transformar o próprio dinheiro em arte, é o que o mundo das NFTs e das criptomoedas, como nova velha ilusão, ao invés do dinheiro ser meio para adquirir algo, o dinheiro é, ele mesmo, o próprio objetivo, ter um ativo único, como a mentirada da NFT, ou possuir uma moeda arte toda diferente, cumpre as regras de caráter estético que vimos ao longo da história, e por isso, acaba produzindo, inclusive, sua própria comunidade, defensores ferrenhos que se identificam com aquilo, e pra que criar um produto se a própria moeda é o ativo de conquista, e nós que não estamos aqui falando da paz de tecnologia ou de economia dessas moedas, estamos aqui falando da camada estética e de arte.



Esse macaco, por exemplo, pode valer 16 milhões, 1.2 milhão, como o macaco comprado pelo adulto Neymar, ou absolutamente nada, desde que ele compõe uma comunidade suficiente de idiotas pra acreditar em seu valor, tá valendo, ótimo lugar pra lavar dinheiro e fazer especulação em cima de sonho. Essas tecnologias nos obrigam a repensar as maneiras como vemos originalidade e plágio na arte também, são muitos casos de artistas que tiveram suas obras vendidas como NFT, sem autorização, por exemplo, depois da morte, como o caso da artista Qing Han, que foi monetizada, transformada em dinheiro, mesmo sem querer, mesmo sem saber, por não ter sido avisada.



Já o artista de ilustrações Greg Rutowski é conhecido como o artista mais plagiado do mundo, por plataformas de AI, e se você jogar o nome dele no Google, a gente verá mais artes produzidas por AI copiando seu estilo do que obras dele mesmo, e tão ganhando dinheiro em cima disso.


Esse dinheiro digital afasta a existência de um artista por trás da obra, esse distanciamento é tudo nessas culturas de dinheiro, quanto mais longe da economia real isso estiver, melhor. A maracutaia parece menos criminosa. Até por isso que as grandes marcas também tem utilizado da arte pra se transformar e se humanizar, quer a melhor maneira de afastar o dinheiro do seu significante? Bem vindo ao mundo mágico das empresas humanizadas de internet.


Toda grande empresa que se preze já tem seus avatares 3D pra fazer piadinha diária e postar memes no Twitter como se fossem pessoas de verdade. A humanização das marcas não é novidade, somado à inteligência artificial, eleva esses avatares pra um outro patamar. Ele explora trabalhador, tá quase falindo, tem altos processos trabalhistas e faz extração de madeira ilegal por aí? Ah, mas o bonequinho dele é tão fofo.


Vivemos um aprofundamento de tudo o que foi no último século e de tudo o que será daqui pra frente se continuarmos nessa estrada. Delírio. Parece que a estética do dinheiro é feita pra premiar os piores.


Você tá sentindo que existe um quê de loucura na base desse sistema? A razão econômica. Apesar de ser cheia de gráficos, números e explicações, é loucura mesmo. Assim, sem tirar nem por.


Por isso que em A Loucura da Razão Econômica, de David Harvey, fica clara essa contradição do capitalismo.



A insanidade está na base de um sistema econômico feito para o caos, pelo caos e completamente caótico. O que a economia de mercado tenderia ao equilíbrio benéfico.


Harvey questiona em seu livro a racionalidade do funcionamento dessa economia, na qual habitações são construídas para gerar lucro e não pessoas viverem, linhas de crédito são autorizadas para atingir resultados dos bancos, e não para matar a fome ou financiar as pessoas de verdade. E a crença no capital, que se vende como equilibrado e razoável, é delírio puro. É caos financiado com propaganda, sentimento de pertencimento, desejo, consumo.


Há uma gritante desconexão do mundo do dinheiro com as demandas sociais básicas. Não falta tecnologia de luxo, mas ao acirramento das contradições, das crises, em outras palavras, não há solução possível dentro do império do dinheiro, porque sua estética é proposta para a crise. Não tem resultado diferente com o mesmo processo sendo maquiados de novos modelos.


Por isso entender essa estética do dinheiro é fundamental, um caminho para treinar novas imaginações políticas, porque você consegue perceber como toda essa ação de consumo é para tirar do dinheiro sua forma material e transformá-lo no campo das emoções. É impossível descolar o capitalismo da sua formidável máquina de criação de desejos e subjetividades. Então, para o episódio 2 dessa série precisamos falar nele, nos desejos.


Mas calma, não sai desse vídeo ainda. Enquanto esse episódio não sai, você pode acompanhar toda a nossa jornada na nossa comunidade de estudos. Nós estamos há meses montando um acervo material sobre estética que vai além do YouTube, e são literalmente horas de conteúdo exclusivo.


Então se quiser aprofundar, entre na nossa comunidade, porque infelizmente a ironia grande e mesmo quem critica está preso na sociedade do dinheiro, e ainda precisa disso para sobreviver. Então é melhor ser mais honesto, transparente e aberto com quem nos assiste e sabe que nosso trabalho sério tem custos, e que o estudo da estética vale aprofundamento e é algo muito sério. Mas se não puder, fica o convite para os 5 episódios que já estão abertos aqui no YouTube, conta pra mim nos comentários.


Quais são os caminhos de curto prazo, atenção, curto prazo, para a continuidade dessa luta? Vamos conversar, nos encontramos toda segunda e quinta nas lives, e veja, agora temos um portal para tocar fogo nos algoritmos e você ser avisado sempre dos nossos vídeos. normose.co é o nosso site, entra lá que você vai ver várias novidades, a gente já vai conversar cada vez mais sobre elas, é nóis, e falowz.

Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa.



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