A juventude tá perdida!? a estranha Síndrome de Juvenoia
- Antologia Crítica
- 13 de ago. de 2024
- 18 min de leitura
E aí, fellow kids, como é que cês tão? Cês tão suave? Fala a verdade, você com certeza fala mal de jovem, mesmo sendo um deles. Exato aos 8 anos atrás, um canal que eu gosto muito, chamado Vsauce, fez um roteiro que eu nunca mais esqueci, com um conceito que eu levo pra vida. Juvenóia.
Cê já ouviu falar disso? O medo exagerado da mudança social e do novo. O medo sobre aquilo que ocorre com as crianças e com os jovens de um determinado período. 8 anos atrás, eu tava na crista da onda da minha geração, vamos dizer assim.
E isso fez muito sentido pra mim. Os jovens enxergam o mundo de um jeito diferente porque querem mudá-lo. E os adultos já não conseguem enxergar mais.
Por isso, pra me manter sempre ativo, eu prometi nunca mais esquecer desse conceito. Pra não envelhecer ranzinza, é preciso estar pronto pro novo. Agora, tanto tempo depois, eu percebo a minha volta, todos os meus amigos começando com comentários do tipo que a molecada não presta, que não sei o que lá é a ideia de jovem.
Eu mesmo entro no Tik Tok, no Discord, e admito que eu preciso me segurar pra não pensar Porra, jovem é foda. Será que chegou a hora então de pensar sobre juventude? Será que eu também tô passando por uma crise de juvenóia?
Nesse episódio, vamos conseguir lembrar os argumentos do Vsauce, mas ir mais fundo. Trazer algumas leituras sobre envelhecimento, maturidade, capitalismo tardio, sequestro da juventude e história do conservadorismo.
Tudo a partir da invenção da adolescência. Sim, invenção da adolescência. Este aqui é um jovem.
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O que é Juvenóia?
"Nossa juventude adora o luxo. É mal educada. Caçoa da autoridade não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são os verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos seus pais e são simplesmente maus."
Teria dito Sócrates numa frase que provavelmente não seja dele, mas que é atemporal sobre os jovens. Mas se você quer algo mais antigo, saiba que gostamos de criticar a juventude desde, pelo menos, Hesíado, que disse em 720 a.C.
Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do país se a juventude tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.
E se a gente for voltando e voltando no tempo, dá pra voltar até os Babilônios. Então já entendeu, né? Falar mal de jovem é bom demais. E nós sempre juramos que o mundo está a um pé de acabar tendo o seu pior momento de juventude até a existência.
Então vamos começar aqui pelo mais simples e óbvio. Jovem faz muita merda sim. Ser jovem é fazer muita merda.
Tem um ditado popular que diz os adultos desconfiam da juventude porque foram jovens. E realmente, quando somos crianças, ainda somos cópias muito fiéis aos primeiros estímulos da nossa criação. E a juventude são os primeiros momentos negar os pais, as autoridades, o mundo em busca de construir a nossa persona.
O mundo que nós queremos viver. Mas está tudo dentro de um conforme social, histórico e biológico do nosso tempo de vida. A juventude, de fato, deve ser idealmente um período de descolamento do mundo familiar para a imersão no mundo social e a construção da sua persona.
Então os adultos perceberem que a juventude pode fazer uns lixos é até natural. Mas será que é realmente possível falar que é verdade que a geração atual é sempre mais mal-educada e pior que a geração anterior?
Para isso, vamos pegar os dados mais históricos e objetivos para daí aprofundar a questão. Pode ser? E quando a gente olha para esse lugar, a resposta é... óbvio que não, né? O ciclo se repete, se repete, se repete, e aí eu pergunto, será que essa imaturidade, essa ansiedade, não tem muito mais a ver do que fase da vida com o que se está vivendo do que qualquer coisa de ideia de decadência, moral, decadência da juventude, blá, blá, blá, blá. Puta ideia furada de conservador. Fala a verdade, vai.
Gen Z
Na média, o uso de drogas até caiu. A geração Z tem muito mais interesse por exercícios físicos, apesar de que podemos debater se o motivo é Instagram e mostrar o shape para as pessoas. A taxa de analfabetismo caiu de 40% em 1960 para 5,5% agora.
E o jovem da geração Z, apesar da fama de preguiçoso ou geração Nutella, ansiosa e teimosa, na prática não é bem por aí.
Primeiro, olha que interessante. As pesquisas de 10 anos atrás indicavam que era a geração millenials, que tinha entre 18 e 25 anos naquele tempo, era a mais preguiçosa, a mais teimosa, geração Nutella, preguiçosa. Hoje, essas mesmas pesquisas mostram que a geração milênio é a melhor geração para se trabalhar e a que mais rende no trabalho.
Enquanto a acusação da preguiça, da teimosia e tal, tal, tal, caiu nas mãos da geração Z. E aí eu te pergunto, será que toda essa desorganização e ansiedade das gerações mais jovens não tem mais a ver com imaturidade e fase de vida do que de fato algum problema de decadência na geração? Puta ideia furada de conservador. Jovens no início de uma geração estão passando por um momento específico da vida. Não à toa, o mesmo momento que os milênios passaram quando eles foram rotulados.
A entrada na vida adulta, seja na faculdade ou no mercado de trabalho, os primeiros relacionamentos mais sólidos de amores, amizades, carreira, opiniões e se estruturam. E aí é óbvio que vai gerar conflito do jovem com o mundo que se desenha diante dele. Primeiro que o nosso mundo não está nada correto.
Então não é que esse jovem não gosta de trabalhar. Talvez ele não goste de uma jornada de 18 horas. Por um acaso você gosta? Não quer, mas se é absolutamente explorado como nós e as gerações anteriores foram.
Será que eles são preguiçosos ou mais espertos? Mas veja, não quer dizer, obviamente, que a juventude atual não esteja cheia de problemas e atravessando um mar de dificuldades únicas do seu período ou que não seja, de fato, muito ansiosa, com falta de foco, falta de futuro. Mas isso é mesmo culpa da geração ou do estado econômico e social, sem futuro, sem perspectiva, com tudo a nossa volta nos deixando ansioso. E esse jovem só respondendo aos estímulos do sistema capitalista. Fica a dúvida aí.
Acesso cultural
Até mesmo quando a gente fala de crescimento intelectual das últimas décadas, vale lembrar que a cultura popular vem indicando um crescimento na cognição para compreender fenômenos. Hoje há muito mais tipos de entretenimento de nicho que podem ser assistidos e reassistidos quantas vezes a gente quiser.
E há muito mais disputa em torno da cultura pop do impacto político que os produtos têm sobre nós. Há muito mais acesso a diferentes tipos de produtos refinados e não tão refinados assim. Mas quando se argumenta coisas ultrapassadas dizendo que essa geração tem o QI menor do que as outras gerações, não se percebe primeiro que QI é uma medida ultrapassada, inválida, mas também porque se ignora que tipos de inteligência nova tem aparecido nos últimos 50 anos, ou melhor ainda, nos últimos 15 anos, depois das redes sociais.
Vieram novos prejuízos e novos benefícios atrelados a ela. Mas é muito mais fácil culpar o jovem e dizer que ele não entende nada da vida e blá, blá, blá.
Quando o machado de Assis nasceu em 1840, 92% da população era analfabeta. Portanto, a quantidade de pessoas que teve acesso ao Machado de Assis, na época de Machado de Assis, foi muito menor do que nós. Ainda que obrigados na escola, nós lemos. Mas aliás, nós lemos não só na escola, nós lemos muito.
Lemos muito mesmo. Lemos, inclusive, muita porcaria. Mas nós temos muito mais acesso a carga de cultura do que até bem pouco tempo atrás.
Esse é o fato. Mesmo daqueles mais precarizados. Que é um dado óbvio que, talvez, você nunca tenha parado pra pensar. Pegue um gênio musical consagrado. Mozart, Beethoven, Latino, Dinho Ouro Preto. Todos gênios inquestionáveis. Certo?
Sem contar o fato de que a maioria desses fizeram sucesso durante a juventude, tem uma coisa ainda mais legal. Por favor, me ajuda. Você já parou pra pensar que, muito provavelmente, você ouviu muito mais tipos diferentes de música do que todos esses gênios do passado.
Você tem muito mais bagagem cultural plural e diversa do que a média de qualquer cidadão do passado. E é certo que Vivaldi escutou muito menos tipos de música do que um estudante médio de música dos dias de hoje.
Você pode ouvir quantas vezes quiser Mozart em loop. E pode ouvir também um trilhão de vezes a mesma bagaceira podreira também em loop. E as duas juntas. Uma não exclui a outra. Você pode consumir Mozart e depois bagaceira. Mas, ó, é o seguinte. Juvenóia parece ter muito mais a ver com percepção distorcida, com viés de confirmação, ilusão de ótica, do que realidade. Estereótipos geracionais são como qualquer outro tipo de estereótipo. Até partem de algo real, mas são distorções dessa real.
No final, vamos vendo que estereótipos geracionais são como qualquer tipo de estereótipo. Servem pra responder o vício humano de colocar as coisas em caixinha e categorizar generalizando. Você se engana muito mais do que gostaria.
Você sabia, por exemplo, que você tem memórias falsas. Sim, falsas memórias, que você mesmo cria. Lembranças criadas a partir de fotos, histórias que as pessoas vão contando e que a gente, em algum momento, passa a acreditar que a gente lembra. Mas não lembra. Nós ressignificamos a mesma história que vivemos várias vezes ao longo da nossa vida. E nós, por exemplo, tendemos a romantizar o passado e esquecendo as coisas mais duras do passado e lembrando aquele tempo como forma de saudade.
Não é à toa que pessoas insistem em tentar reatar relacionamentos ruins depois de anos. A saudade faz você reatar e a convivência faz você lembrado porque vocês tinham terminado. O segundo motivo bem interessante é apontado lá no vídeo do Vsauce, eu acho que vale a gente relembrar. Causas na neurociência e na psicologia.
Percepção temporal
Entre os 10 e os 30 anos é o período de maior estruturação das nossas vidas.
Nesse curto período de duas décadas, você começa como uma criança que não sabe nada sobre nada da vida e é imposto para você a necessidade de formar todas as suas visões, todas as suas bases, todas as suas opiniões primeiras, as suas ideologias, os seus amigos, a família que você vai estruturar ou não, a decisão da sua carreira.
A maior parte da nossa vida é formada nesse tempo. As músicas e filmes que te formam, os autores e ideologias que te guiam, os comportamentos que você aprendeu sendo como os mais descolados ou aqueles que devem ser reprimidos tudo em 20 ou 30 anos.
Agora veja, dos 70 aos 90 anos, você terá essa mesma janela de tempo e também vai passar por muitas mudanças, mas elas já são outras mudanças, não são mais tão estruturais. E 20 anos lá na frente é percentualmente muito menor do que 20 anos lá atrás. Ou pelo menos é assim com a maioria de nós.
Então pega toda essa carga emocional, todo esse turbilhão de memórias, pega tudo isso. E vem a próxima juventude e destrói tudo que eu achava legal, tudo aquilo que a gente demorou décadas pra construir. Essa molecada vai destruir tão rápido? O mundo tá ficando chato.
Bom era no meu tempo...
Pronto. Juvenóia. E segura a onda quem vai falar sobre qualidade, comparar culturas do que consumimos. Calma que a gente já vai falar sobre isso.
Então é o seguinte, juvenóia me parece muito mais uma percepção distorcida, um viés de confirmação do que realidade. E até partem de algo real, mas acabam distorcendo tudo no final das contas.
Então vamos falar um pouco sobre essa distorção da realidade. Nós distorcemos o passado e ponto. E aí numa base saudável ter um pouco de juvenóia é o que compõe as bases da nossa nostalgia.
É muito gostoso lembrar do nosso tempo, mas a nostalgia tem seu lado cruel. Ela nos leva ao passado como uma fumaça. É intocável. Não dá pra segurar aquele momento. Nós nunca vamos voltar ao passado. É só um gostinho inacessível.
E nem todo mundo lida bem com isso. E então, já que não tem como manter vivas suas memórias, emoções e conquistas, lhe resta atacar os que agora tomaram o lugar que antes era seu.
Pra você que tem certeza que não. Que na sua época a juventude só consumia coisa boa. Que na tv e na música só tinha coisa de qualidade. Você tem certeza disso?
Nós fizemos aí uma maquiagem deixando o gugu bastante moreno, bastante milagre, pintando a pele do gugu, colocando uma peruca. Uma peruca bem legal.
O Cinetrash é um filme de terror, né? Ele arrancou o próprio rosto dele, né? Arrancou todo o rosto. Aí agora ele mata as pessoas pra arrancar o rosto dela.
Não tem como negar que a cultura jovem de hoje é mais podre. Não tem como.
Bom, vamos falar de besteirada. Olha isso aqui. São as pixações.
É, pixações dos muros de Pompeia. Cidade da antiga Roma. Que falavam sobre sexo pesado, putaria, denunciavam quem era coelho de quem e xingavam muito os políticos.
Há rabiscos obscenos em todos os momentos da história, em todas as culturas que a gente procure. Há obras de artes fúteis em todos os períodos. O próprio Mozart tem um poema sobre peido.
Sim, Mozart falava sobre peido. As pessoas tinham até código secreto nos poemas pra falar de sexo e putaria na Idade Média, você sabia? Ou seja, é simples. Há trabalhos complexos e idiotas em todos os períodos.
Não tem jeito. Sempre existiu besteirada e sempre existiu trabalho sério, complexo e refinado, e as coisas podem conviver muito bem obrigada. E as mesmas pessoas podem consumir e produzir essas mesmas coisas muito bem obrigado.
O equilíbrio e o balanço é o melhor caminho. Isso entre o novo e o antigo, entre o simples e o complexo, é o melhor caminho. Mas hoje, ontem e amanhã, o desequilíbrio juvenil sempre existiu, a besteirada sempre existiu, os velhos sempre acham que o mundo tá acabando, mas a Terra continua girando.
Ah não, não tem como, nome. "Os jovens de hoje são narcisistas, superficiais, essa juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são preguiçosos. Eles jamais serão como a cultura de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter nossa cultura." Bem, te peguei de novo.
Isso é uma frase do ano de 4 mil a.C. Escrito num vaso da antiga Babilônia. Eu avisei no início do vídeo que a Babilônia também criticava os jovens. Você não quis acreditar? Na Babilônia!
Os gênios se perderam...
Tá, mas e os gênios? Por que nós não vemos mais gênios como antigamente? Onde estão os gênios da arte? Onde estão os Van Gogh? Os Monet? Os Frank Kafka? Os novos Sebastian Bach? Temos duas respostas aí.
Uma mais curta e a outra de longo prazo. E a mais curta é Porra, você é muito chato, hein? Brincadeira! Ou será que não? Enfim, no curto prazo é preciso entender que o desenho da indústria de hoje mudou. Hoje as coisas são muito mais de nicho.
E há muitos nichos por aí. Então não há mais grandes artistas por longas décadas. Não por falta de talento, mas porque a indústria em si desenha diferente.
Porque o dinheiro roda de outra forma. E agora? Cada pequena tribo, cada pequeno nicho, cada pequeno estilo musical tem o seu mundinho com shows, artistas cultura e mercado existido sem você nunca ter ouvido falar. Eu não tô querendo colocar nenhum juízo de valor ou qualidade nesses artistas dizendo que são ruins ou gênios. Só tô querendo lhe mostrar que é uma pluralidade muito maior de artistas e cenários nos dias de hoje. E não conseguiremos mais mapear as coisas tão facilmente pra encontrar esses tais gênios ou destaques. Há grandes músicos e artistas em todas as esquinas de um bar ou dentro de seus quartos produzidos som para o mundo todo e que ninguém vai conseguir reconhecê-los.
Mas no longo prazo tem uma outra questão sobre os gênios. Os gênios estão por aí, mas demoram a ser reconhecidos. Precisam antes passar por muitos processos de renegação, depressão e esquecimento.
Van Gogh morreu pobre e depressivo. Monet ficou famoso um pouquinho antes de morrer. Franz Kafka morreu como um zé ninguém, como uma barata.
E o Bach tem uma coisa interessante no Bach. Ele ficou famoso durante a vida, daí morreu, foi completamente esquecido. E aí só 200 anos depois, sim 200 anos depois, é que relembraram da obra do Bach.
E aí ele ficou famoso novamente. O que é gênio, não é gênio é uma discussão social de cada período. O que é gênio pode deixar de selo e vice-versa.
Tudo é uma grande narrativa. Cada geração se imagina mais inteligente do que a que veio antes. Então essa sua impressão de que faltam gênios atuais é uma ilusão do progresso infinito.
E isso, inclusive, tem um caráter ideológico. Mas eu não vou abrir esses parenteses aqui, senão o vídeo vai ficar enorme. Acho que beleza.
Entendemos que existe uma história sobre falar mal dos jovens. Só que no tempo pra cá as coisas realmente mudaram num ponto. A troca de gerações e a distância de gerações está aumentando muito rapidamente.
Não só porque a vida está mais longa e a percepção de idade também. E aí vale aqui mostrar o Dom Pedro com 67 anos e o nosso querido Ney Mato Grosso dançando muito aos 83. E isso revela não só o sangue podre da elite, mas também que há uma aceleração da vida, um prolongamento dela e a construção de mercados pra todos esses públicos no capitalismo tardio.
Então é óbvio que vai ter cada vez mais produtos geracionais e conflitos entre gerações. É tudo resultado do sistema econômico que vivemos. Isso porque não faz nem 200 anos que a adolescência foi inventada enquanto categoria.
A invenção da Adolescência
Sim, 200 anos. A adolescência, como nós conhecemos, é muito atual e nasceu mais ou menos a partir do século XVIII. Já a palavra adolescente parece ter sido categorizada como estágio da vida só em 1922, quando o jornalista Jon Savage escreve o livro Teenage, para estudar como a sociedade humana inventou mercadologicamente o adolescente.
Vamos lembrar aqui que até esse momento da história, a juventude era um período de preparação para duas coisas. Para o trabalho, nas fábricas ou em casas, ou para a guerra. E logo aos 8, 10 anos, começava o tempo das fábricas.
Não havia intersecção. Porém, à medida que avançavam as sociedades e aumentavam cada dia mais os empregos não qualificados e a mão de obra sub-humana das indústrias, muitos jovens se recusavam a trabalhar, a estudar, a fazer alguma coisa logo aos 18, 20 anos. E passaram então a ser chamados de decadentes, aqueles que não queriam ir para o trabalho nem tomar a vida da casa.
Optavam pela boemia, pela curtição, pela liberdade. Com o tempo, porém, os mercados foram absorvendo esse tipo de comportamento e percebendo um potencial gigante no consumo dessas pessoas. Os jovens começaram a entrar no radar dos mercados, mas também dos educadores, daqueles que pensavam a vida em sociedade e como a educação poderia transformar as pessoas.
Percebeu-se que naquele período entre a infância e a vida adulta ainda não tínhamos uma capacidade de conhecimento suficiente para encarar o mundo, vamos dizer assim. E esse aprendizado que se estendia durante a vida adulta merecia um olhar único, com problemas particulares. Crianças não são adultos pequenininhos apenas esperando seu momento de crescer.
Tanto a infância quanto a adolescência são momentos separados, mas isso nem sempre foi tão óbvio. E alguma hora a gente pode falar sobre as artes bizarras de bebês feiosos durante muito tempo na história e como isso coincidia com a falta de visão sobre a infância naqueles períodos.
Mas isso é um outro assunto. O ponto aqui é que sim, é isso mesmo que você ouviu. Muito provavelmente a sua bisavó talvez não tenha sido adolescente, pelo menos não adolescente como você e eu imaginamos. Essa adolescência tem o ápice da sua invenção ali nos anos 70, onde o marco estadunidense é Woodstock e no Brasil talvez a Tropicália.
De qualquer modo, dali pra frente ficou claro que a adolescência não era só um dado da nossa biologia, mas era um dado da nossa cultura, que não dizia apenas ao respeito do desenvolvimento biológico, mas que olhar e refletir sobre a adolescência é perceber de verdade quais são as pautas pulsantes do nosso momento histórico. Por isso você pode reparar que grande parte das críticas que temos aos adolescentes, na verdade, são críticas da nossa sociedade ou do nosso sistema financeiro. Mas a história está aí para não me deixar mentir.
A conquista dos trabalhadores sempre foi encampada por trabalhadores mais jovens. O Maio de 68 na França foi composto sobretudo por jovens. A conquista de direitos vem dos jovens.
A indústria do consumo e da cultura, hoje em dia, é massivamente jovem em todo o movimento político e religioso, o setor da juventude. Há uma juventude socialista, uma juventude comunista, uma juventude conservadora, cristã, evangélica, de extrema direita e assim vai.
Uma pessoa que dormiu em 900 e acordou em 1200 veria poucas mudanças e transformações na organização do trabalho, na dinâmica das classes, dos gêneros, se comparado com alguém que dormiu em 1900 e acordou agora.
O sistema econômico acelerou as formas de existência e é ele que indica e dá as regras do jogo de quem nós seremos e quem nós poderemos ser ou deixar de ser. Mas há sempre um adulto tentando dominar um jovem. A fonte da juventude é uma busca desde sempre.
A fonte da juventude e o medo da morte
Então, talvez você já tenha concluído ao longo do vídeo que o ódio ao jovem pouco tem a ver com o jovem e muito das vezes ele é só uma projeção, a juvenóia, do nosso medo do fim. O nosso medo de sumir. O nosso medo do mundo mudando.
É o nosso medo de não ser mais a bola da vez e de repente...Temos medo da morte. Sabe aquele velho doidinho que tem em toda praça de cidade brasileira que grita por aí que o mundo está acabando? Bom, de certa maneira ele tem alguma razão. O mundo dele está acabando.
A cada dia que passa ficamos mais velho e, portanto, o mundo está acabando todo dia para nós. A mudança do mundo é imanente e inevitável. O mundo está sempre mudando para que outro mundo substitua, porque a nossa morte é iminente.
E desculpa se isso pode ser um assunto gatilho para algumas pessoas. A bem da verdade isso é um assunto muito gatilho para mim. Mas é importante compreender isso bem claramente para entender que essa é a base do fascínio da humanidade pela juventude, pela eternidade, pelo medo da idade.
O elixir da vida e a busca pelo ouro de tolo foram uma constante na história da nossa humanidade. Em busca da chamada fonte da juventude, uma história greco-romana reapropriada pelo período do Renascimento que prometia a vida eterna. Numa piscina que se você entrasse, você se banhava e que por isso era necessário invadir o território.
E isso, claro, justificava os massacres sangrentos, ferozes e tudo aquilo que aconteceu. Coincidência só. Em Retrato de Dorian Gray, o dilema do protagonista gira em torno de uma busca. A eterna juventude.
O medo de envelhecer e ficar velho, horrível. E aí temos a pira do jovem Dorian.
Num quadro, numa pintura ou no vídeo-ensaio que só tem a voz, não envelhecemos. Com o uso de filtros, edições, inteligência artificial, conseguimos parar no tempo. Ou pelo menos nos enganamos que estamos parando no tempo.
É a compulsão pelos tempos de ouro. Em Meia-Noite em Paris, Gil, um escritor decadente com sua própria arte, consegue voltar ao passado pra reencontrar seus poetas e artistas favoritos na Paris das Luzes e finalmente se sentir em casa no tempo de ouro da arte. Chegando lá, se assusta.
Os poetas e artistas discutiam fervorosamente. Bom mesmo era a arte de 20 anos atrás. O tempo verdadeiro de ouro da arte sempre já aconteceu.
Essa é a cilada do conservadorismo. Acreditar que existiu um tempo de ouro e daí nunca viver a própria glória. Então, idealizar o passado é também uma forma de afago.
O passado é o que representa nossas histórias, as nossas raízes. É uma parte importante de quem somos e como nos identificamos. Por isso nos apavoramos.
E não é que o mundo está acabando. Esse mundo que você conhece está acabando. Outros mundos emergirão, que podem ser melhores ou piores do que os seus.
Porque no final, o que move toda a juvenóia é o que também move o início da filosofia, da história das religiões, ou de toda indústria de harmonização facial ou ficar no shape e viciar no suco. Acolhimento das inseguranças, do tempo e promessa de vida saudável ou eterna. Amém.
O novo sempre vem
Talvez, de fato, a juventude esteja perdida. Mas a pergunta é, quem não está? Estamos perdidos em diferentes fases da vida. E um dos maiores choques, pelo menos da minha adolescência, foi percebendo que a casca que os adultos construíram pra mim era uma grande mentira.
E que os adultos estavam fingindo que eles sabiam o que faziam. Crescer é descobrir que somos todos imaturos, cheios de insegurança, de medo, de não saber o que vem amanhã. Então não adianta.
Não há porque ter juvenóia. Você que ama o passado e que não vê, o novo sempre vem. Se tem problemas na juventude, é também da juventude que está vindo toda a mudança que dá esperança.
Grupos organizados que não aceitam mais ódio. Grupos que não aceitam mais não falar sobre crise climática. Sobre mudanças estruturais.
É dos mais jovens que vem as propostas mais democráticas. Que vem as inovações mais tecnológicas. Então se você é mais velho e está se sentindo inseguro com essa juventude, suas ideias vão ser demolidas pelas novas.
Junto que há de bom com o seu tempo, com o novo e vamos em frente. Você pode estar sentindo juvenóia. Então respira e dá um abraço aqui.
E você que é jovem e está apavorado, se sentindo perdido, calma. Toda geração de jovens também sentiu isso. Não é fácil mesmo a juventude.
Respira e dá um abraço aqui também. Olha, eu poderia fazer um vídeo muito mais fácil e advogar aquela frase do Nelson Rodrigues "Ah jovens, uma lição de sabedoria. Envelheçam."
Mas nem a pau. Isso é recalque de gente velha. Jovens, transformem o mundo com a consciência de que vocês podem ser usados por adultos frustrados.
Que porra de envelheçam o que? Isso é inevitável. Você vai envelhecer. Não queira acelerar as coisas do tempo que elas não são.
Ok. É verdade sim que a maturidade e ficar mais velho tem me dado muita calma, muita sabedoria em alguns aspectos. Queria eu ter o conhecimento que tenho há 15 anos atrás.
Então envelhecer também tem o seu charme. É ou não é dos mais velhos de onde saem as maiores guerras? É ou não é dos mais velhos ter entregado para a geração de agora o mundo como ele está? Então nunca se esqueça, com o tempo dá pra acumular burrice também.
Então antes de fechar o vídeo eu tenho duas coisas pra falar. A primeira é, comenta aqui embaixo pra gente transformar num debate que vai ser interessante entre gerações. Quem eram os ídolos da sua geração? Ou tava cheia de gente podre e comum, mas que era divertida? Seja honesto.
Vamos encontrar as bagaceiras. Se alguém falar que só pensa em gente refinada, tá metendo louco, né? E por último, até coloquei meu cosplay de Didi, jovem, pra falar que se você gostou desse vídeo, colabora com a gente, colabora com os jovens. Essa equipe cresceu muito e tá com os custos muito altos.
Pra gente chegar nesse nível de capricho, esse vídeo passa por muitas mãos. Então participa do nosso Catarse, participa do nosso grupo do Telegram. Qualquer valor faz muita diferença e nos mantém existindo dentro da plataforma sem ligar tanto pros algoritmos, sem não ficar refém disso aqui.
É nóis, fica suave aí, fellow kids. E falows.
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Este texto é uma transcrição automatizada do material original apresentado no vídeo abaixo. Pode conter erros de transcrição. Recomendamos assistir ao vídeo para uma compreensão mais precisa e completa.